Padre João Medeiros Filho
Atualmente no Brasil, o brado de Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns – “Brasil, tortura e censura, nunca mais” – agoniza. Deseja-se repetir a tristeza do passado? Despreza-se o ensinamento bíblico: “O que detestas que te façam, não o faças a ninguém” (Tb 4, 15). É deplorável ver as vítimas de ontem, convertidas nos algozes de hoje. A censura é guardiã de privilégios, exceções e interesses. Impor a mordaça à mídia “et alii” será a solução para os graves problemas brasileiros? Sob o manto da proteção à verdade, impõem-se normas, cujo objetivo sub-reptício consiste em intimidar e calar quem ousa divulgar opiniões e medidas contra abusos e iniquidades. “O que é a verdade?”, perguntou Pilatos a Cristo (Jo 18, 38). Com a regulação busca-se proteger a inocência de vulneráveis ou a fraqueza ético-moral de dirigentes? Quando faltam firmeza de argumentação e poder de convencimento, lança-se mão do autoritarismo e da força. Dignitários lutam por uma nova imunidade: a isenção de críticas (inexistente na Carta Magna). Rechaçam juízos de valor sobre suas palavras e ações. Uns são sorrateiros; outros advogam freneticamente a censura, a partir de seus parâmetros. “Quantum mutatus ab illo” (como as coisas mudaram), dizia Virgílio na Eneida, hoje um desconhecido, pois não se estuda mais o belo idioma do Lácio.
Há operadores da política e da justiça que falam em democracia e estado democrático de direito. Referem-se a tais valores, não como pensa a maioria, e sim um grupo. As ideologias (de ambas as vertentes) se encontram, não nas ideias, mas no “modus operandi” coercitivo e intimidatório. Falas fora de contexto e narrativas construídas têm revoltado, dividido e causado ingente mal-estar social. Uns lutam, a todo custo, para ver rapidamente o enterro daquilo que pode mostrar o lixo da “res publica”. O intento de conter a mídia e atemorizá-la caminha nessa direção. Tenta-se inibir qualquer ação contra os que manipulam de forma antiética a gestão e a política nacional. Há a desculpa de proteger a verdadeira informação, como se os cidadãos do Bem fossem incapazes de discernir ou perceber as iniquidades. Camufla-se o plano de defender somente os próprios interesses, não os da sociedade. Assim, grassam a corrupção e a impunidade no país. “Transbordam de ambição seus corações. Zombam, falam com malícia. E com arrogância ameaçam. Assim são os maus…, que com escárnio só fazem aumentar o seu poder” (Sl 73/72, 7-8;11), desabafa o salmista.
Regular a imprensa e as redes sociais é álibi para outros projetos e intenções abscônditas. Inegavelmente, nas plataformas veiculam-se difamações, calúnias, ódio, preconceitos, intolerância etc… Entretanto, já existem diplomas legais para coibir tais vilezas. É mais fácil proibir que educar. Ensinam-se lições sobre o uso dos meios de comunicação nas escolas? Isso é também dever e missão das famílias, do Estado e das igrejas. Acaso, propostas de regulação, como eufemismo de censura, não ferem direitos basilares, previstos na Constituição vigente? Pensa-se na criação de órgãos censores (quem os qualificou como detentores de toda a verdade?) para salvaguardar a “soi-disant” honra de alguns, que se julgam pública e socialmente inatacáveis ou infalíveis. Quem estará apto a determinar o justo limite das coisas, o Estado e seus organismos ou os próprios interessados (cidadãos)? Parece haver o propósito de colocar as redes e os indivíduos sob o jugo estatal, caminho trilhado por países ditatoriais e autoritários. O que diria o jurista Sobral Pinto, defensor de tantas vítimas das sanhas repressivas de outrora?
No Brasil da atualidade, a mídia e as redes sociais podem tornar-se instrumento para ajudar a conter a cultura da corrupção e da impunidade. É abominável que, com a desculpa e o pretexto de punir os “cibercrimes”, a mídia seja ameaçada, ao se insurgir contra as regalias de ímprobos e inescrupulosos. Cabe contestar os abusos nas plataformas. Mas, isso deve acontecer com respeito aos direitos fundamentais, sobretudo à verdadeira liberdade de expressão (e não ao seu simulacro), previstos na Carta Magna de 1988. Verifica-se não a tentativa de combater as supostas transgressões, mas a sede de um artifício “legal” para afastar o que incomoda os iníquos e corruptos. “Até quando, ó Deus, os ímpios triunfarão e haverão de proferir palavras de afronta?” (Sl 94/93, 3-4).