“Dizei- me vós, Senhor Deus! Se é mentira… se é verdade, tanto horror perante os céus?”
Castro Alves, Tragédia no Mar
A realidade cruel, brutal e covarde do massacre genocida que ocorre na Faixa de Gaza, cada vez mais, teima em inquietar o mundo. A grande esmagadora maioria faz ouvidos moucos e parece que as mortes, desumanas e em massa, são, na verdade, uma ficção. Uma ilusão, pois não pode ser verdade tanta barbárie à luz do dia. Sem nem mais fingir. Sem esconder. Sem querer parecer falso. São os donos da vida e da morte. Escolhem quem querem matar, ou torturar.
O que ocorreu com a médica pediatra Alaa al-Najjar, que estava trabalhando no hospital quando os corpos de 7 dos seus 10 filhos chegaram mortos por um ataque criminoso de Israel, não pode ser simplesmente banalizado. Esquecido. De tão queimados, ela, em princípio, não os reconheceu. Dois deles, uma bebê de 6 meses e um de 12 anos, desapareceram. Apenas um sobreviveu, e está gravemente ferido.
É bom citar os nomes, são crianças, são pessoas: Yahya, Rakan, Raslan, Jibran, Eve, Rivan, Luqman, Sadeen e Sidra. Todas crianças que poderiam ser nossos filhos. Viraram números no genocídio bárbaro que Israel faz em Gaza. Sob o silêncio cúmplice e covarde de todos. Do mundo. Nosso.
É importante ouvir o que têm a dizer os médicos que, heroicamente, trabalham na região. Em seguida ao ataque, uma médica pediatra, colega da mãe das crianças assassinadas, deu uma entrevista muito emocionante.
Ela relatou que mais de 1400 médicos e agentes de saúde já foram mortos, bem como seus familiares. Ela acusa o Estado de Israel de fazer uma ação criminosa e deliberada para atingir os agentes de saúde. Um crime que deveria chocar a todos. É importante frisar que 35 dos 36 hospitais de Gaza foram alvos de ataques criminosos do Estado de Israel.
O ataque covarde, criminoso e bárbaro do Hamas, em 7 de outubro de 2023, em que o sul do território israelense foi brutalmente atingido com 1.200 pessoas mortas – crianças, mulheres e idosos – e com a barbaridade de fazerem reféns, obviamente não pode ser usado como motivo e justificativa para o genocídio. O mundo livre e humanitário tem que se posicionar contra as duas barbáries. Só que o genocídio israelense impera desde então. E o que se vê é a omissão covarde do mundo dito civilizado.
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No início dessa selvageria, perdi um amigo que respeitava. Ao entrar em um restaurante em SP, fui surpreendido com um banqueiro, jovem e brilhante, que me abordou falando alto e de maneira arrogante e prepotente: “Diga ao seu amigo Lula que ele vai ficar isolado no mundo se ficar contra Israel. Vamos isolá-lo”. Perplexo, respondi que não era menino de recado e que o presidente estava do lado certo da história e ele quem ficaria isolado. Hoje, os genocidas sentem a força e o peso do isolamento e do desprezo. Não sei o que esse meu amigo pensa agora do genocídio, nunca mais falei com ele.
Outro sinal da doença da covardia é o comportamento dos grupos ditos progressistas. Faço parte de vários, embora pouco participe, apenas acompanho. Em um deles, unido e com história de compromisso com as causas democráticas, o assunto genocídio quase rompeu o grupo. Parei de acompanhar. O véu que cobre as consciências nesse assunto é muito denso. Todos parecem estar tratando de assuntos diversos. No meio, como em todo grupo grande, surgem mensagens sobre rivalidades de futebol. Um ataque a um hospital é meio que esquecido por um ataque do Flamengo que resultou em gol. E sempre alguém lembra que o Palmeiras não tem mundial.
Enquanto isso, a nota contra o genocídio bárbaro pelo Estado de Israel parece não passar pelo exame do VAR. Alegam um impedimento. E a falta de coragem de denunciar a barbárie acaba ganhando de goleada. Nem a solidariedade às crianças que estão morrendo de fome pelo bloqueio assassino que se opera em Gaza parece vencer a barreira do preconceito. Os que não morrem de fome, morrerão pelas bombas. O nosso silêncio será o túmulo de toda a omissão e covardia.
Lembrando-nos da frase atribuída a Mário Quintana, mas que é de autoria incerta: “O que muda a gente não é o que a gente fala, é o que a gente cala”.
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