Ameaças da Ucrânia fazem cidades da Rússia cancelarem desfiles do Dia da Vitória, principal feriado do país

Tanques e armamentos pesados passam por rua de Moscou em 7 de maio de 2023em ensaio para a parada militar do Dia da Vitória na Rússia, em — Foto: AP

O Dia da Vitória, o feriado secular mais importante da Rússia, enaltece dois princípios fundamentais para a identidade do país: poderio militar e retidão moral. Mas a guerra na Ucrânia prejudica ambos este ano.

O feriado, que será celebrado nesta terça-feira (9), marca o 78º aniversário da rendição da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, depois que uma implacável ofensiva do Exército Vermelho empurrou as forças alemãs de Stalingrado, no interior da Rússia, até Berlim, cerca de 2.200 quilômetros.

A então União Soviética perdeu pelo menos 20 milhões de pessoas na guerra, e o sofrimento e a bravura que contribuíram para a derrota alemã têm sido a grande referência militar da Rússia desde então.

No entanto, muitas regiões cancelaram celebrações de 9 de maio devido a preocupações de que os eventos possam ser alvos de ataques ucranianos. O famoso desfile militar da Praça Vermelha de Moscou seguirá mesmo após uma tentativa de ataque com drones na semana passada ao Kremlin, que fica ao lado do local onde ocorrerá um desfile.

Mas, em Moscou, as autoridades locais cancelaram uma das celebrações mais notáveis ​​do Dia da Vitória: as procissões do “Regimento Imortal”, nas quais multidões de cidadãos saem às ruas segurando retratos de parentes que morreram ou serviram na Segunda Guerra Mundial.

Essas procissões carregam um ar de emoção genuína, em nítido contraste com os obedientes soldados de rosto impassível que marcham pela Praça Vermelha durante os desfiles militares rigidamente regimentados que mudam pouco de ano para ano.

Embora as procissões sejam movimentadas e impressionantemente grandes, as autoridades “pensaram que os riscos estavam se tornando proibitivos”, disse o analista russo Dmitry Oreshkin, agora na Universidade Livre de Riga, Letônia. “Se algum tipo de drone voa para lá, penetra na fronteira impenetrável … então por que eles não podem jogar algo nesta coluna?”

Cadetes russos participam de ensaio do desfile militar do Dia da Vitória da Rússia, em 7 de maio de 2023. — Foto: Dmitri Lovetsky/ AP

Apesar de todos os tanques e armamentos pesados que circularão na terça pela praça, o fracasso da Rússia em obter ganhos na Ucrânia estraga a imagem da indomabilidade de seu Exército.

Depois de capturar um trecho considerável do território ucraniano nas primeiras semanas da invasão, em fevereiro de 2022, a campanha russa teve uma série de fracassos, como:

  • Uma tentativa abandonada de entrar na capital, Kiev;
  • Recuos no norte e no sul da Ucrânia;
  • Mais recentemente, a incapacidade de tomar Bakhmut, uma pequena cidade de valor questionável, apesar de meses de combates excepcionalmente horríveis.

O presidente Vladimir Putin, em seu discurso durante o desfile, certamente elogiará a determinação do Exército Vermelho em acabar com o nazismo e repetirá sua afirmação de que a Rússia está assumindo uma posição moral elevada ao combater um suposto regime nazista na Ucrânia, um país com um presidente judeu.

Mas os mísseis que caem sobre alvos civis ucranianos atraíram a condenação mundial da Rússia, enquanto os países ocidentais que fizeram causa comum com Moscou para derrotar a Alemanha nazista enviaram bilhões de dólares em armas para a Ucrânia.

Caminhões com mísseis balísticos desfilam em ensaio para parada militar do Dia da Vitória em Moscou, na Rússia, em 7 de maio de 2023. — Foto: Dmitri Lovetsky/ AP

Os analistas estão divididos sobre se o incidente do drone de 3 de maio no Kremlin foi um ataque genuíno ou uma “bandeira falsa” inventada para justificar o aumento da ferocidade das barragens de mísseis da Rússia na Ucrânia.

Qualquer explicação corre o risco de minar a sensação de segurança entre os russos já abalados por ataques, provavelmente cometidos pela Ucrânia ou por oponentes domésticos, que aumentaram acentuadamente nas últimas semanas.

Dois trens de carga descarrilaram esta semana em explosões de bombas na região de Bryansk, que faz fronteira com a Ucrânia. Notavelmente, as autoridades da região não culparam a Ucrânia, o que poderia ser uma tentativa de encobrir a capacidade ucraniana de realizar sabotagens.

As autoridades da mesma região também afirmaram em março que duas pessoas foram baleadas e mortas por supostos sabotadores ucranianos. Bryansk também sofreu bombardeios transfronteiriços esporádicos, inclusive no mês passado, quando quatro pessoas foram mortas.

Três proeminentes apoiadores da guerra na Ucrânia também foram mortos ou feridos em seu próprio território em outras partes da Rússia. Um carro-bomba na semana passada na região de Nizhny Novgorod, que as autoridades atribuíram à Ucrânia e aos Estados Unidos, feriu gravemente o romancista nacionalista Zakhar Prilepin e matou seu motorista.

No ano passado, Darya Dugina, comentarista de um canal de TV nacionalista, morreu em um carro-bomba perto de Moscou, e as autoridades alegaram que a inteligência ucraniana estava por trás da morte em abril em São Petersburgo do proeminente blogueiro pró-guerra Vladlen Tatarsky, que foi morto quando um bomba dentro de uma estatueta que ele ganhou em uma festa em um restaurante explodiu.

Fonte: www.g1.globo.com

Como a China pode ter ‘descoberto’ as Américas sete décadas antes de Colombo

Getty Images – A possibilidade de que os chineses tenham chegado à America sempre ficou às margens nos livros de história

“Quando Cristóvão Colombo se lançou à travessia dos grandes espaços vazios a oeste da Ecúmena (área habitável da Terra), havia aceitado o desafio das lendas. (….) O mundo era o Mar Mediterrâneo com suas costas ambíguas: Europa, África, Ásia. Os navegantes portugueses asseguravam que os ventos do oeste traziam cadáveres estranhos e às vezes arrastavam troncos curiosamente talhados, mas ninguém suspeitava que o mundo seria, logo, assombrosamente acrescido por uma vasta terra nova”. É assim que o uruguaio Eduardo Galeano começa seu clássico As Veias Abertas da América Latina, livro publicado em 1971 que narra a história da região e seu lugar no mundo.

O escritor, assim como toda a historiografia ocidental, parte da primeira viagem do navegador genovês — entre o porto de Palos, na região da Andaluzia, na Espanha, e a ‘Isla de Guanahaní’ (atual Bahamas), onde sua frota desembarcou na manhã do dia 12 de outubro de 1492 — para contar sobre o primeiro encontro entre aqueles que já habitavam as ilhas do Caribe e exploradores vindos de outras partes do planeta.

O encontro é narrado a partir de Colombo em coletâneas respeitadas, como na História da América Latina organizada pelo historiador britânico Leslie Bethell ou nos volumes de Historia de la Conquista, escritas pelo americano William Prescott na primeira metade do século 18. Com isso, possibilidades alternativas — como a de que os vikings da Groelândia teriam assentado colônias no litoral do Canadá ou de que a “grande terra, fértil e de clima delicioso” supostamente encontrada (e descrita) por um capitão fenício do outro lado do oceano por volta de 500 a. C. era a América — ficaram sempre às margens.

Aquele contato inédito marcaria o início de toda a história da invasão europeia e da posterior colonização dos territórios e povos existentes deste lado do globo e seria também o marco inaugural de uma narrativa hegemônica até hoje em torno de uma “descoberta da América” pela Europa.

Getty Images – China foi tecnologicamente mais avançada que a Europa durante séculos

A “descoberta” chinesa

Há quase duas décadas, no entanto, uma história alternativa da “descoberta” das Américas se espalhou: a de que, ao contrário do consenso historiográfico, frotas encabeçadas por dois almirantes chineses, Zhou Man e Hong Bao, haviam navegado da África até a foz do Rio Orenoco, na atual Venezuela, descendo depois por toda a costa do continente até o do Estreito de Magalhães, ao sul da América do Sul, ainda no ano de 1421 — portanto, 71 anos antes da viagem de Cristóvão Colombo. Eles tinham sido treinados e eram liderados pelo grande navegador chinês daquela época: o eunuco muçulmano Zheng He.

Agora, essas figuras históricas estão sendo evocadas pela alta cúpula do governo chinês, para reafirmar as pretensões globais da potência asiática.

A tese da ‘descoberta’ chinesa, cujas versões já existiam antes, ficou famosa por meio de dois best-sellers escritos pelo ex-comandante da Marinha britânica Gavin Menzies no começo dos anos 2000: 1421: o ano em que a China descobriu o mundo (Bertrand, 2006) e Who Discovered America? The Untold History of the Peopling of the Americas (“Quem descobriu a América? A história oculta da ocupação das Américas”, sem tradução).

Apesar da tese ser fortemente criticada por alguns historiadores pelo trato pouco ortodoxo com as provas históricas, a discussão permanece em aberto entre especialistas do mundo todo. Alguns deles afirmam hoje que, ainda que os chineses não tenham, de fato, navegado pela costa americana antes de Colombo, é possível dizer que eles reuniam meios para fazê-lo.

“Tecnologicamente falando, a China tinha condições de chegar às Américas ou outras terras, e até não podemos descartar que isso tenha acontecido. Muitos navegadores podem ter chegado nelas e morrido no regresso ou sequer ter feito registros das descobertas. No entanto, a questão é que a tecnologia sozinha não responde essa pergunta”, explica Rita Feodrippe, pesquisadora da Escola Naval de Guerra e estudiosa da marinha chinesa.

“Os europeus saíram para explorar o Atlântico porque o Mediterrâneo estava fechado e eles precisavam encontrar novos mercados. A China, ao contrário, tinha um comércio terrestre muito bem estabelecido com a África, com o que hoje chamamos o Oriente Médio e mesmo com a Europa. Como há havia um relativo sucesso comercial, econômico, cultural e migratório, não haveria necessidade de buscar novas terras — mesmo com a tecnologia disponível”, completa.

Getty Images – Hoje a China tenta ampliar sua influência no mundo através de investimentos em infraestrutura

Para Vitor Ido, pesquisador do South Centre, em Genebra, na Suíça, a reação à possibilidade de Colombo não ter sido o primeiro a navegar pelo continente americano também diz muito sobre a hegemonia da narrativa europeia. “Quais são as razões que parecem tornar até inconcebível para a maioria de nós o reconhecimento de que a China poderia ter uma superioridade tecnológica em relação aos europeus naquele período? Essa pergunta mostra nossa maneira de pensar a história”, questiona ele.

O livro polêmico de Gavin Menzies

Menzies, que morreu há cinco meses ainda em meio às críticas dos historiadores, sustentava que, no começo do século 15, por volta de 1403, o imperador chinês Yongle (terceiro da Dinastia Ming) deu a Zheng He a missão de executar a maior volta ao redor do globo que já fora feita até então. O objetivo era ir “até o fim do mundo coletar tributos dos bárbaros espalhados pelo mar”.

Ele deveria treinar navegadores para saírem pelos oceanos enquanto, em paralelo, centenas de ba chuan, navios de dimensões nunca vistas, eram construídos pelo império. Foram eles que, nos anos seguintes, empreenderam seis viagens pelo planeta travando contatos com povos distintos e alcançando terras cujas existências eram desconhecidas. O único lugar ausente do trajeto foi a Europa. As navegações teriam continuado se, em 1424, Zhu Di não tivesse morrido, interrompendo o projeto de expansão e o contato com outras civilizações — uma sétima viagem aconteceria em 1433, depois da sua morte, e uma oitava frota chegou a partir depois, mas sem alcançar mar aberto.

Menzies diz no livro que, ao longo das outras viagens daquele mesmo período, almirantes liderados por Zheng He também pisaram no que hoje é a Austrália — 350 anos antes da expedição britânica liderada pelo capitão James Cook, que chegou à praia de Kamay Botany Bay (hoje um parque nacional em Sydney) em abril de 1770.

Como a maioria dos mapas originais chineses foram destruídos por oficiais do império anos após a morte de Zhu Di, os que restaram apresentam apenas viagens menores feitas à Índia e às outras ilhas do Sudeste Asiático, por exemplo. Os desenhos referentes aos anos de 1421 e 1423 — quando os barcos de Zheng He teriam ido mais longe — podem ser acessados agora, de acordo com Menzies, apenas por meio de reproduções, como uma encontrada por ele. Feita pelo cartógrafo veneziano Zuane Pizzigano, a reprodução mostra as ilhas de Guadalupe e de Cuba, as costas americanas, a Austrália e até a Antártica — e que provavelmente foi usada pelo próprio Colombo para chegar às Antilhas, diz Menzies.

Décadas depois, em 1512, o cartógrafo turco Piri Reis projetou o mapa mundi incluindo não apenas as Américas, mas detalhando o terreno da Patagônia, ao sul do continente. Ele só foi possível, segundo Menzies, pelas informações obtidas décadas antes pelos chineses e já espalhadas pelos territórios da Ásia.

Nessas viagens ausentes dos registros originais, os navios liderados por Zheng He teriam cruzado o Cabo da Boa Esperança antes de Bartolomeu Dias, passado por Cabo Verde, na África, pelas ilhas dos Açores, hoje território português, pelas Bahamas (Caribe) e pelas Malvinas. Ele teria inclusive estabelecido algumas colônias onde hoje são a Austrália, a Nova Zelândia, a Califórnia, a ilha de Porto Rico (EUA) e o México — para onde teria levado os primeiros cavalos. Além disso, supostamente essas colônias foram pioneiras no cultivo de galinhas na América do Sul e na criação de um comércio de diamantes encontrados na Amazônia com o restante do mundo.

Os livros do ex-comandante naval são questionados principalmente pela fragilidade metodológica. “As conclusões extraordinárias do autor são validadas apenas por suas experiências pessoais e pelo relato que ele traz de sua luta para chegar a elas. Esse método é o que torna possível atrair tantos leitores que, de outra maneira, jamais abririam um livro de 500 páginas cujo assunto são os empreendimentos marítimos chineses e a exploração europeia”, diz Robert Finlay, professor emérito de História Mundial da Universidade de Arkansas, nos EUA.

Há ainda críticas às provas utilizadas por ele: em uma extensa análise da obra de Gavin Menzies, o historiador e oficial da Marinha portuguesa, José Manuel Malhão Pereira, e o professor Jin Guoping, especialista em relações lusitanas na China, apontam incoerências que vão das correntes de ventos às coordenadas astronômicas usadas pelos almirantes chineses, passando por erros graves de análise cartográfica — o mapa de Piri Reis, por exemplo, descreve ilhas da África, não do Caribe. Segundo eles, o autor dos best-sellers não apenas tentou “enganar os leitores” como deturpou diversas provas históricas para construir sua argumentação.

Mas há reações ainda menos amistosas, como a de um professor de Cingapura que, na ocasião da “Exibição 1421”, organizada na marina da cidade-Estado em 2005 pelo próprio Menzies a convite do governo local, chamou o livro de “lixo”.

Um mapa antigo

A tese de que os chineses chegaram às Américas antes de Colombo, no entanto, nunca morreu: em 2006, um advogado chinês chamado Liu Gang afirmou à imprensa internacional que tinha encontrado um objeto que a comprovava: um mapa com os cinco continentes do planeta feito em 1763, mas com uma anotação no verso dizendo ser uma reprodução de outro mapa de 1418. O mapa foi comprado por um valor irrisório em uma livraria de Xangai anos antes e Gang dizia que passara aquele tempo estudando a cartografia com outros especialistas. Ele chegou a uma conclusão parecida como a de Menzies: “A informação contida no mapa pode mudar a história”, disse Gang.

Em 2014, outra evidência das descobertas marítimas chinesas surgiu: durante uma expedição à remota ilha de Elcho, na Austrália, uma equipe de arqueólogos do país encontrou uma moeda da Dinastia Qing prensada entre os anos 1735 e 1795. À época, Mike Owen, chefe do trabalho de escavação, chegou a dizer que o objeto aumentava os já fortes indícios de que chineses haviam feito contato com aborígenes da região antes de Cook.

Para Júlia Rosa, que fez mestrado em Estudos Chineses Contemporâneos na Universidade de Renmin, em Pequim, e é cofundadora da plataforma Sh?miàn, a grande questão desse debate também gira em torno das possibilidades chinesas no período.

“Por um lado, a dinastia estava envolvida em projetos de expansão e de exploração de novos mercados para comércio e, por outro, tinha tecnologia para isso, já que a literatura afirma que os navios chineses daquela época eram melhores que os italianos. Assim, se eles soubessem que poderia haver uma terra desconhecida do outro lado do mundo, é possível que teriam tentado alcançá-la”, explica.

“Além disso, há certo consenso de que a China era mais avançada do que a Europa tecnologicamente até o século 14 aproximadamente”, completa.

Rita Feodrippe argumenta que, de fato, a indústria naval da China era uma das mais avançadas do mundo até antes do século 15. “Há muitas fontes históricas que mostram que a China chegou ao século 15 com programas e políticas específicas para seu desenvolvimento naval a nível local, isto é, queria navegar pelo Oceano Pacífico e fazer trocas comerciais com os povos do Sudeste Asiático”, explica ela.

O “retorno” de Zheng He

Há três anos, o nome de Zheng He voltou a sair da boca de um governante chinês: foi durante o discurso de abertura do atual presidente, Xi Jinping, no primeiro Belt and Road Forum (BRF) — evento em que delegados de mais de uma centena de países se reuniram em Pequim em 2017 para discutir projetos de infraestrutura financiados pela China pelo mundo.

Na ocasião, Xi Jinping afirmou que Zheng He foi um dos “pioneiros chineses que entraram para a história não como conquistadores, com navios de guerra, armas ou espadas. Ao contrário, eles são lembrados como emissários amigáveis em caravanas de camelos e navegando em navios repletos de tesouros. De geração a geração, esses viajantes das rotas da seda construíram uma ponte para a paz e cooperação entre o Ocidente e o Oriente”.

Segundo Júlia Rosa, a menção do presidente chinês não foi trivial: em um contexto de disputa geopolítica e de reafirmação no cenário global, com a construção de portos e estradas em países da África, da Ásia e da América Latina, o navegador do século 15 coloca uma das dinastias mais gloriosas da história da China em diálogo com as pretensões atuais do Partido Comunista — que governa o país desde a metade do século 20.

“Como na dinastia Ming havia uma participação intensa da China para além do seu território, não necessariamente em conflitos bélicos, mas em trocas comerciais com seus vizinhos. Zheng He é alçado como a figura que ilustra as pretensões da China de hoje: se engajar com outras populações por meio de trocas positivas, de ganhos mútuos, de comércio pacífico”, explica.

“Assim, Zheng He é um exemplo usado para dizer que a China já realiza esse tipo de contato com outros povos há muito tempo”, completa Rosa.

Vitor Ido, do South Centre, conta que a retomada de símbolos nacionais, como Zheng He, também faz parte de outra ambição chinesa. “O país tem feito isso também com Confúcio, por meio do Instituto Confúcio, para expandir o chamamos de soft power, mesmo que o governo tenha uma interpretação muito específica do confucionismo, assim como da história do Zheng He. Esse processo todo, de qualquer forma, me parece muito importante na China contemporânea”.

Para Rita Feodrippe, o navegador chinês é o símbolo perfeito de um país que, nas geopolítica atual, enxerga no mar o principal caminho para seu desenvolvimento econômico.

“Desde a entrada da China na OMC (Organização Mundial do Comércio), em 2001, houve uma ressignificação do mar. Eles não queriam depender de empresas de navegação ou usar rotas marítimas que são controladas financeiramente por potências ocidentais e, para isso, desenvolvem toda uma indústria naval e seu entorno para garantir o principal: importar e exportar muito e da forma mais barata possível. A associação com Zheng He está aí: era um chefe naval que liderava embarcações com capacidade para levar grandes mercadorias, mas não exércitos, para outros lugares do mundo”, analisa.

Fonte: www.correiobraziliense.com.br

 

Por que tantos brasileiros estão se mudando para o Paraguai

Arquivo pessoal – Felipe Monteiro, de Mazagão (AP), está cursando o quinto ano da faculdade de medicina no Paraguai

Quando tinha 17 anos, Felipe Monteiro soube na sua terra natal, a cidade de Mazagão, no Amapá, que um conterrâneo havia estudado Medicina no Paraguai e, hoje, exerce a profissão no Brasil. Agora, aos 24 anos, Monteiro cursa o quinto ano da faculdade de Medicina no país vizinho. Ele é um dos milhares de brasileiros que hoje se preparam para essa carreira no Paraguai. Os brasileiros são quase a totalidade entre os universitários de Medicina, de acordo com estimativas oficiais. “Na minha sala, somos 80 alunos e só 2 são paraguaios. Tem aluno de Santa Catarina, do Rio de Janeiro, de Rondônia, do Acre, do Amazonas”, conta Monteiro à reportagem.

A carreira universitária é um dos vários exemplos da forte presença brasileira no Paraguai, onde os principais motores da economia – do agronegócio ao setor têxtil e de autopeças, entre outros – têm participação decisiva de investidores brasileiros, de acordo com autoridades do governo, empresários e analistas ouvidos pela BBC News Brasil.

E o que tem motivado essas mudanças? Estudantes relatam custos de estudo mais interessantes no Paraguai e empresários e investidores são atraídos pelo sistema de impostos, facilidades para exportação ao Brasil, oferta de energia elétrica e de mão de obra (leia mais relatos abaixo).

A ampla presença brasileira hoje no Paraguai já não está restrita aos chamados “brasiguaios”, termo usado para se referir a brasileiros que se estabeleceram no país, principalmente, no setor da soja, explica o economista Fernando Masi, diretor do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia.

Em 2021, segundo os dados mais recentes do Itamaraty, o Paraguai é o primeiro destino dos imigrantes brasileiros na América Latina, com cerca de 246 mil pessoas. O número representa quase 30 mil brasileiros a mais vivendo no país vizinho do que em 2016. Mas estimativas locais apontam que o número pode ser na realidade muito maior que o oficial, já que nem todos se registram nos consulados, que são a base para o levantamento do Itamaraty.

A presença brasileira no Paraguai representa quase a metade do total de 596 mil brasileiros que moram em outros países da América do Sul. Com uma população de 6,7 milhões de habitantes, o Paraguai tem, por exemplo, praticamente o triplo de cidadãos do Brasil do que a Argentina, que tem quase 46 milhões de habitantes e, oficialmente, 90 mil brasileiros.

No mundo, Paraguai é o terceiro país, depois dos Estados Unidos (1,9 milhão) e de Portugal (275 mil), com a maior comunidade brasileira. A maior concentração fica em Ciudad del Este, onde vivem 98 mil brasileiros, mais do que os 80 mil de Buenos Aires, segundo dados oficiais.

‘Praticamente em casa’

O universitário Felipe Monteiro vive em Ciudad del Este, onde frequenta uma igreja evangélica fundada por brasileiros. Ele diz que se sente praticamente em casa. “Moro a dois quilômetros da Ponte da Amizade (que liga Ciudad del Este a Foz de Iguaçu, no Brasil), e, aqui, os paraguaios falam português”, afirma Monteiro, que pretende ser o primeiro médico da família.

O preço da universidade e o custo de vida no Paraguai foram os motivos que o levaram a viver no país. “Tenho uma prima que estuda Medicina em uma universidade particular em Belém e paga mensalidade de R$ 8 mil reais. Aqui, comecei pagando R$ 1,2 mil e, agora, são R$ 1,9 mil, porque há um aumento anual à medida que passamos de ano. Mas é acessível”, diz.

Seu colega no quinto ano de faculdade, o cearense Pedro Nogueira, de 38 anos, era formado e trabalhava como administrador de empresas quando vendeu o que tinha para estudar Medicina em outro país vizinho, a Argentina. Mas ele conta que a escalada inflacionária argentina o levou a pedir transferência para a na Universidade Integración de las Américas, no Paraguai.

Arquivo pessoal – ‘Ficou caro e pedi transferência para cá. Mesmo assim, está valendo muito a pena’, diz Pedro Nogueira sobre mudança da Argentina para o Paraguai

“Na Argentina, era inadmissível não falar espanhol na sala e nas provas orais. No Paraguai, é diferente. Todo mundo fala português. Hoje, agradeço a metodologia argentina. Mas ficou caro e pedi transferência para cá. Mesmo assim, está valendo muito a pena”, diz Nogueira.

Ele calcula que, entre a mensalidade e os gastos cotidianos, incluindo aluguel, suas despesas giram em torno de R$ 3,5 mil. “Já vi gente no Brasil não disfarçar o preconceito quando contei que estudo Medicina no Paraguai. Mas meu plano é ser um médico como os outros que estudaram no Brasil ou em qualquer lugar. Tenho parentes médicos que estudaram na Bolívia, revalidaram o diploma e, hoje, exercem a profissão no Brasil”, afirma.

O Conselho Nacional de Educação Superior (Cones), responsável pela educação universitária no Paraguai, estima que 30 mil estudantes cursem Medicina nas universidades públicas e privadas paraguaias, “dos quais 95% a 97% seriam de origem brasileira”. A maioria dos universitários brasileiros está concentrada, principalmente, nas universidades privadas, segundo a assessoria de imprensa do Cones. De acordo com o órgão paraguaio, houve um boom de novas instituições privadas de ensino superior no país entre 2006 e 2010, com a abertura de 28 universidades e 23 institutos superiores, a maioria na área da saúde.

‘Eldorado empresarial’

No âmbito empresarial e de investimentos, o Paraguai é visto como um “eldorado”, como define o diretor da Câmara de Comércio Paraguai Brasil, Junio Dantas, à BBC News Brasil. “É um país que oferece muitas oportunidades, principalmente para os Estados vizinhos, como o Paraná, Mato Grosso do Sul e também Santa Catarina. O Paraguai é um país que dá uma vantagem competitiva muito grande na parte fiscal.”

Dantas, que tem uma empresa de tecnologia no país, diz que há brasileiros em todas as áreas, principalmente no agronegócio. “A mão de obra aqui é abundante. É muito bom trabalhar com os paraguaios. A energia elétrica é muito barata, porque é abundante. A proximidade com o Brasil ajuda bastante e o sistema de impostos torna o país atraente e competitivo para investimentos”, diz.

O Paraguai compartilha a hidrelétrica de Itaipu com o Brasil e a de Yacyretá com a Argentina. O país possui leis de incentivo fiscal e de geração das chamadas maquilas, que fazem parte da cadeia produtiva entre os dois países, como explica à BBC News Brasil o vice-ministro de Indústria do Ministério da Indústria e Comércio, Francisco Ruiz Díaz.

As maquilas paraguaias foram criadas para atrair investimentos e gerar empregos, diz Ruiz Díaz. Nesse regime, as empresas importam insumos que são usados em uma fábrica no Paraguai e os exportam transformados no produto final, sem pagar impostos e pagando apenas 1% como seguro da operação realizada, explica o vice-ministro.

A inspiração para este modelo veio do sistema mexicano em sua aliança comercial com os Estados Unidos. “Setenta por cento das exportações do Paraguai para o Brasil são resultado da maquila. Um exemplo é o setor têxtil. As empresas brasileiras trazem a linha do Brasil, fabricam o tecido aqui e o enviam para as confecções no Brasil”, afirma.

Getty Images – Paraguai é o terceiro país, depois de EUA e Portugal, com a maior comunidade brasileira

Os brasileiros, diz o vice-ministro, estão presentes nas áreas de bioetanol, de grãos e de carnes, por exemplo. “No caso da carne bovina, temos aqui frigoríficos brasileiros que exportam o produto para o Brasil e outros países”, afirma.

Dantas, da Câmara de Comércio Paraguai Brasil, diz que a entidade estima que cerca de 400 mil brasileiros estejam presentes no Paraguai, principalmente na região da fronteira – número bem maior do que o contabilizado pelo Itamaraty.

Mas por que esta forte presença brasileira no país vizinho? Ruiz Díaz diz que isso é resultado de um processo que se acelerou a partir de 2003-2004, com o boom das commodities. Ele lembra que, até os anos 1940, o Paraguai era um país dependente das exportações para a Argentina. Mas, nas décadas seguintes, sucessivos governos passaram a buscar maior aproximação com o Brasil, com a estratégia de aumentar a população na região de fronteira, com o estímulo da distribuição de terras.

No entanto, com as dificuldades geradas pela falta de infraestrutura, muitos desistiram desses terrenos ou os venderam por preços baixos. Com o passar dos anos, esta região passou a prosperar, e leis criadas nos anos 1990, diz o vice-ministro, como as de incentivos fiscais e de maquila, passaram a ser aproveitadas nos anos 2000 – principalmente pelos investidores brasileiros, quando começaram a precisar de máquinas para desenvolver seus empreendimentos no território paraguaio.

Ruiz Díaz acrescenta que as sucessivas crises econômicas argentinas acabaram complicando a aproximação e o intercâmbio com esse outro país vizinho. “Quando a gente olha para a história do Brasil e da Argentina, o Paraguai é, entre todos os países do Mercosul, o que mais demorou em se desenvolver”, diz.

Para ele, seu país passou a ser atraente não só pela simplificação fiscal, mas pelas oportunidades que existem no país. “Quando olhamos os números…Em 2003, na área de maquila, as exportações eram de US$ 5 milhões (anuais) e, agora, superam US$ 1 bilhão. Vinte vezes mais”, disse.

Para Ruiz Díaz, no caso das maquilas, ou maquiladoras, a guinada ocorreu a partir de 2013, com a instalação de empresas de autopeças no Paraguai que exportam o produto às montadoras no Brasil.

“O Paraguai tem energia abundante e a mais barata da região, mão de obra farta, um sistema de impostos amigável, vantajoso. Isso permitiu que o Brasil se abastecesse de matéria-prima em condições muito competitivas.” O país conta hoje com a presença de empresas de vários países além do Brasil, como Japão, Alemanha e Estados Unidos.

Além da maquila e do sistema de impostos, Ruiz Díaz aponta que as reformas econômicas, que incluíram metas inflacionárias e fiscais, foram realizadas nos anos 2000 e mantidas ao longo deste tempo, contribuindo para gerar confiança entre investidores estrangeiros.

Desafios

Fernando Masi, do Cadep, diz, porém, que o próximo governo, que será eleito no dia 30 de abril, deverá buscar alternativas para ampliar a arrecadação de impostos para os investimentos necessários em infraestrutura e na área social. “A arrecadação tributária é muito baixa no Paraguai. Mas seja quem for, o eleito manterá a mesma política de equilibro macroeconômico que vem sendo aplicada no país”, afirma.

Pesquisas indicam que a disputa para a Presidência será principalmente entre Santiago Peña, do governista Partido Colorado, e Efraín Alegre, da opositora Concertación. Segundo Masi, a expectativa é que a economia paraguaia cresça entre 4,5% e 5% em 2023, bem acima da previsão de 1,4% para o Brasil, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Um dos principais desafios do Paraguai, disse o analista, é combater a pobreza, que atinge 27% da população, e a desigualdade social.

Masi acrescenta que a presença brasileira é hoje “muito mais visível” e diversificada do que até recentemente. “Antes, eram os chamados brasiguaios, que se dedicavam ao cultivo da soja. Hoje, são investidores em frigoríficos, em maquila, que está concentrada principalmente em autopeças, têxtil e plástico e gera muitos empregos no Paraguai. E, agora, estão também os estudantes, com uma forte presença em diferentes áreas, nos últimos dez anos”, diz o analista.

Dantas, da Câmara de Comércio Paraguai Brasil, que já morou em países da África e em Portugal e se estabeleceu no país vizinho há 25 anos, observa que a presença brasileira está sendo decisiva para a industrialização do Paraguai. “São mais de 200 maquiladoras operando no país. Entre 70% e 80% são de origem brasileira, o que demonstra a força do empresariado brasileiro no Paraguai.”

Fonte: www.bbc.com BBC News Brasil

EUA prendem suspeitos de operarem delegacia secreta da China em Nova York

Breon S. Peace, principal procurador do Brooklyn, ao centro, durante entrevista coletiva em Nova York – David ‘Dee’ Delgado/Reuters

Policiais prenderam dois moradores de Nova York sob a acusação de operarem uma “delegacia secreta” da China no bairro de Chinatown, segundo o procurador-geral do Brooklyn afirmou em nota nesta segunda (17). O órgão seria uma ferramenta para perseguir dissidentes baseados nos Estados Unidos.

Lu Jianwang, 61, e Chen Jinping, 59, são alvos de denúncias de conspiração para atuar como agentes do governo chinês sem o conhecimento das autoridades americanas e de obstrução da Justiça, ainda de acordo com a Procuradoria. Eles devem se apresentar à corte federal no Brooklyn ainda nesta segunda.

As acusações surgem em meio a um momento em que o Departamento de Justiça intensifica as investigações sobre o que chama de tentativas de “repressão transnacional” por adversários de Washington, como China e Irã, para intimidar oponentes políticos que vivem nos Estados Unidos.

“A acusação revela a violação flagrante, por parte da China, da soberania da nossa nação, ao colocar uma delegacia secreta no meio de Nova York”, disse Breon Peace, principal procurador federal do Brooklyn.

Os promotores disseram que Lu e Chen são cidadãos norte-americanos e lideram uma organização sem fins lucrativos cuja missão é fornecer um local de encontro social para pessoas da província chinesa de Fujian.

Em 2018, Lu tentou persuadir um indivíduo considerado fugitivo pela China a voltar para seu país de origem, disseram os promotores. Quatro anos depois, o governo chinês também teria, segundo a Procuradoria, pedido a Lu para localizar um indivíduo que vivia na Califórnia —ele era identificado como um ativista pró-democracia. A delegacia teria sido aberta e fechada em 2022.

“Não podemos e não iremos tolerar a perseguição do governo chinês aos ativistas pró-democracia que buscaram refúgio neste país”, disse Breon Peace, o principal promotor federal do Brooklyn, a repórteres.

Também nesta segunda, procuradores apresentaram acusações contra 34 autoridades chinesas por supostamente operar uma “fazenda de trolls” e assediar dissidentes na internet, inclusive interrompendo suas reuniões em plataformas de tecnologia dos EUA.

Os procuradores ainda adicionaram oito funcionários do governo chinês como réus em um caso de 2020 que acusa um ex-executivo do Zoom de interromper videoconferências comemorativas dos protestos de 1989 na Praça da Paz Celestial. Os funcionários acusados estão todos foragidos.

A dupla detida teria admitido ao FBI, a polícia federal americana, ter excluído os registros de seus contatos com um funcionário do governo chinês depois de saber que estavam sendo investigados. Procuradores federais acusaram mais de uma dúzia de cidadãos chineses e outros de realizar campanhas de vigilância e assédio contra dissidentes nos EUA, inclusive tentando repatriar à força pessoas consideradas fugitivas.

As acusações vêm após o diretor do FBI, Christopher Wray, dizer a um comitê do Senado, em novembro, que estava “muito preocupado” com a presença de tais delegacias em cidades dos EUA. Para ele, o estabelecimento de presença policial chinesa no país “viola a soberania” e contorna a cooperação policial. A embaixada da China em Washington não respondeu imediatamente a um pedido de comentário da agência de notícias Reuters.

Fonte: www1.folha.uol.com.br

Por que investimento bilionário em segurança nas escolas não impediu aumento de ataques nos EUA

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Os Estados Unidos vivem um paradoxo: o país nunca investiu tanto em medidas para aumentar a segurança escolar. E, ainda assim, nunca viu tantos massacres em escolas e universidades como nos últimos anos. E é desta contradição que podem surgir respostas para uma das mais acaloradas discussões do atual debate público brasileiro: como prevenir e conter massacres escolares, que tem se intensificado no país?

Desde setembro de 2022, o Brasil testemunhou ao menos sete episódios violentos em escolas com repercussão na imprensa nacional. O caso mais recente aconteceu nesta quarta (5/4) em Blumenau (SC), quando um homem invadiu uma creche e matou 4 crianças com uma machadinha.

No mesmo dia do massacre, o ministro da Justiça e Segurança Pública anunciou a liberação de R$150 milhões para ampliar a atuação das rondas escolares – grupos de policiais militares ou guardas civis que fazem policiamento ostensivo nas portas e nos arredores de unidades escolares e creches. No maior Estado do país, que viveu drama semelhante uma semana antes, a discussão foi pelo mesmo caminho.

Um aliado do governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), o deputado Guto Zacarias (União Brasil) apresentou um projeto de lei que autoriza policiais militares de folga a atuarem, de forma remunerada, como seguranças armados em escolas estaduais. Na justificativa para a medida, Zacarias cita o caso de um aluno de 13 anos que matou a professora a facadas e feriu outras três educadoras e um aluno em um ataque a uma escola na zona oeste de São Paulo, no final de março. Mas o exemplo americano dá pistas sobre a eficácia e os limites deste tipo de abordagem para lidar com o problema.

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O caso americano

Desde abril de 1999, quando dois estudantes abriram fogo contra colegas na Columbine High School (no Colorado), em um episódio considerado como o marco inicial de uma tendência de violência escolar no país (e no mundo), foram ao menos 377 ataques do tipo nos EUA, de acordo com um levantamento feito pelo jornal The Washington Post, que rastreia os casos na ausência de dados oficiais do assunto.

Em nenhum ano, porém, houve mais ataques do que em 2022: foram 47 no total. E o pico anterior não estava distante: aconteceu em 2021, com 42 casos. Contraditoriamente, os ataques em escolas seguem em alta apesar de um investimento contínuo bilionário das escolas, dos Estados e do governo federal para tentar contê-los.

Em 2021, as unidades educacionais americanas gastaram a cifra recorde de U$ 3,1 bilhões (cerca de R$ 15,6 bilhões) com sistemas e serviços de vigilância e proteção, segundo estimativas da consultoria de mercado tecnológico OMDIA. O valor representa um crescimento de 14% no total de gastos se comparado ao ano de 2017, o dado anterior disponível. No ano passado, o Congresso americano aprovou um pacote de US$ 300 milhões (R$ 1,5 bilhão) para ajudar as instituições a se equiparem contra violência armada.

A aplicação desses recursos é visível no cotidiano da maior parte dos estudantes dos EUA – câmeras, interfones e até detectores de metais se tornaram artigos comuns nas escolas.

Segundo os dados do Centro Nacional de Estatísticas da Educação do governo dos EUA, enquanto entre 2017 e 2018, apenas metade das unidades educacionais tinha controle total ao acesso às dependências da escola, incluindo quadras e playgrounds, agora dois terços delas possuem sistemas de controle de entrada e saída. Já a taxa de escolas com monitoramento via câmeras ultrapassa os 90%.

Mais do que isso: 43% por cento das escolas públicas possuem o chamado “botão de pânico”, uma espécie de alarme acionado silenciosamente de algum ponto da escola que se conecta diretamente com a polícia em caso de emergência. Há 5 anos, eram 29%.

Atualmente, 78% das escolas têm salas equipadas com fechaduras capazes de permitir trancamento interno – um aumento de 20% em relação aos dados do ano letivo entre 2017 e 2018. E 65% tem funcionários exclusivamente dedicados à segurança – em 51% das escolas, esses agentes trabalham munidos de armas de fogo.

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Mas por que tudo isso não reduziu ataques?

O que explica então que, com um aumento nas medidas de segurança, não se veja uma redução no número de casos de massacres escolares? De acordo com Justin Heinze, professor de saúde educacional da Universidade de Michigan e diretor do Centro Nacional de Segurança Escolar, a princípio, o aumento dos procedimentos de segurança na escola podem resultar em consequências positivas para lidar com o problema, mas estão longe de serem condições suficientes para prevenir os ataques.

“Não há hoje grandes evidências científicas para apoiar a ideia de que essas medidas tenham impacto definitivo na prevenção de massacres. A gente não desencoraja a adoção delas – até porque costumam ter impacto positivo em outras áreas da vida escolar, mas relembra à comunidade que esse não pode ser o único caminho para tentar combater o problema dos ataques”, diz Heinze à BBC News Brasil.

Em 2016, um estudo da Johns Hopkins University concluiu o mesmo: há pouca evidência de que novas tecnologias de segurança possam impedir ou diminuir massacres.

Um exemplo é o que se observa com o aumento do policiamento em escolas – que tem sido adotado nos EUA e que pode passar a ser uma realidade mais comum também no Brasil. Embora alguns estudos sugiram que ter agentes armados na escola pode desencorajar brigas entre grupos de adolescentes, o impacto da medida sobre a ocorrência e a letalidade de massacres é discutível.

Uma pesquisa publicada em 2019 no Journal of Adolescent Health, que revisou 179 episódios de tiroteios em escolas americanas entre 1999 e 2018, concluiu que manter guardas armados na escola não reduziu o número de vítimas em massacres.

E o aumento desse tipo de segurança pode embutir seus próprios riscos: um outro estudo financiado pelo Instituto Nacional de Justiça dos EUA e publicado em 2021 concluiu – depois de avaliar todos os casos entre 1980 e 2019 – que o número de mortes em escolas com guardas armados tendia a ser quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados. A presença de agentes armados no ambiente escolar também estaria ligada ao aumento do absenteísmo estudantil, especialmente entre alunos de camadas mais vulneráveis da população.

Ambiente escolar que permita denúncias

Os EUA garantem acesso particularmente fácil a armas de fogo para a população em geral – são quase 400 milhões de armas entre pouco mais de 330 milhões de pessoas. Nessas condições, é estatisticamente mais provável que um adolescente ou um jovem americano consiga pôr as mãos em uma arma de fogo com mais facilidade do que um brasileiro. A dificuldade de acesso a armas no Brasil, segundo os investigadores dos casos recentes, ajudam a explicar porque os criminosos se valeram de instrumentos como bestas ou facas para seus ataques.

Segundo Heinze, a arma usada no crime terá impacto no resultado final da ação: com uma arma de fogo é possível vitimar muito mais gente em muito menos tempo. Mas a mecânica dos ataques costuma ser muito semelhante. E por isso algumas estratégias que têm demonstrado sucesso nas escolas americanas podem também funcionar para o Brasil.

Uma delas é criar canais para denúncias – anônimas ou não – dos estudantes, já que estima-se que em 4 de cada 5 episódios existissem potenciais delatores. “A grande maioria dos massacres em escolas tinha em sua história alguém que conhecia de antemão os planos do atirador, seja porque o viu escrito em algum lugar, seja porque o próprio autor compartilhou informações. Se esses alunos contarem o que sabem, abre-se a oportunidade de intervir e impedir a violência”, diz Heinze.

“Isso só é possível se a escola desenvolver um ambiente em que os alunos confiem em seus professores e se sintam à vontade para entrar em contato com eles ou com alguém da administração caso saibam de algo.”

A segunda é criar as chamadas “equipes de avaliação de ameaças”, grupos escolares multidisciplinares que são responsáveis por receber as denúncias, verificar a veracidade delas e criar planos para mitigar a violência e ajudar o aluno com comportamento potencialmente violento antes que qualquer ato aconteça. Atualmente, 9 dos 50 Estados americanos adotam essa política, entre eles a Flórida e o Texas.

“Esses são os programas com as evidências mais fortes de que funcionam para impedir massacres”, afirma Heinze. Esses programas conseguem estimar desde o potencial de agressão do estudante, avaliando seu acesso a armas, como acessar suas condições de saúde mental e indicar tratamentos de saúde. Para Heinze, esse, aliás, é um ponto especialmente sensível no pós-pandemia de covid-19.

Depois de uma mínima histórica em 2020 nos massacres, graças às escolas fechadas, os casos voltaram em um novo patamar nos EUA. Como lá, o isolamento, o uso intensivo de redes sociais e a perda do contato físico com os pares também aconteceu no Brasil e pode ser outro elemento a explicar o salto nos episódios.

Mariana Sanches

Da BBC News Brasil em Washington

Casal morre e filha sobrevive em queda de balão no México

Foto: Rebecca Blackwell/AP

José Nolasco, de 50 anos, e Viridiana Becerril, de 39 anos, morreram após o balão onde estavam pegar fogo e cair sobre as ruínas da Cidade do México, no sábado. A filha deles, Regina Itzani, de 13 anos, está internada no hospital com queimaduras. Ela teria quebrado o braço depois de pular do balão em chamas.

Segundo testemunhas, momentos antes da tragédia, a família havia posado para uma foto. O passeio foi um presente surpresa de aniversário para Viridiana, segundo a mãe dela, Reyna Gloria Sarmiento. A avó contou que Regina abraçou os pais antes de pular do balão em chamas. Foi relatado ainda que Viridiana teria pulado do balão algum tempo depois da filha e que José morreu na cabine.

A família morava na cidade de Caujimalpa de Morelos, que fica a 19 km a oeste da Cidade do México. Um vídeo postado nas redes sociais mostra o balão descendo rapidamente enquanto explode e a queda de alguns ocupantes. O balão de ar quente foi esvaziando à medida que as chamas queimavam a cabine onde a família mexicana estava. A polícia investiga se a causa do acidente foi um vazamento de combustível do tanque de armazenamento.

O piloto do balão teria fugido após o acidente e está sendo buscado pela polícia. De acordo com as autoridades locais, a empresa responsável pelo balão não teria permissão para operar, então não havia registro de voo, o que dificultou o reconhecimento das vítimas.

Local turístico

O acidente ocorreu nas ruínas pré-hispânicas de Teotihuacan, ao norte da cidade – local turístico que tem muitos passeios de balão. O local é conhecido pelas pirâmides do Sol e da Lua e já foi uma grande cidade que abrigou mais de 100.000 povos pré-astecas. A cidade antiga foi uma das maiores do mundo em seu auge entre 100 aC e 750 dC, antes de ser abandonada antes da ascensão dos astecas em 1300.

A Federação de Balões de Ar Quente de Teotihuacán (Fegat) informou que o balão que caiu não faz parte das equipes de voo autorizadas. A federação disse que é formada por oito empresas que atuam dentro dos marcos legais e vigentes da Agência Federal de Aviação Civil, além dos expedidos pelas autoridades locais e estaduais.

Fonte: www.g1.globo.com

Tribunal internacional emite mandado de prisão contra Putin por crimes de guerra

Presidente da Rússia, Vladimir Putin – Sputnik/Mikhail Metzel/Pool via REUTERS

O TPI, Tribunal Penal Internacional, emitiu um mandado de prisão do presidente russo, Vladimir Putin, nesta sexta feira (17). Putin está sendo apontado como responsável por crimes de guerra cometidos na Ucrânia.

Algumas suspeitas incluem deportação ilegal de crianças, transferência ilícita de pessoas do território ucraniano para a Federação Russa e danos à infraestrutura civil. Moscou nega as acusações.

Segundo informações da Reuters, até então, o Kremlin não respondeu aos pedidos de comentário. Além de Putin, a Comissária dos Direitos da Criança da Rússia também foi intimada.

Karim Khan, promotor do tribunal, abriu a investigação há mais de um ano. Ele suspeita que a Rússia tenha cometido crimes de guerra, violações contra a humanidade e genocídio na Ucrânia, desde o início da invasão.

“Os crimes foram supostamente cometidos em território ucraniano ocupado pelo menos a partir de 24 de fevereiro de 2022. Há motivos razoáveis ​​para acreditar que Putin tenha responsabilidade criminal individual pelos crimes mencionados”, afirmou.

Apesar das intimações, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, comentou em seu canal no Telegram que não está preocupada. “Os mandados de prisão do TPI não têm significado para o nosso país, inclusive do ponto de vista jurídico”, disse.

A porta-voz ainda lembrou que a Rússia não faz parte do Estatuto de Roma, o tratado que fundamenta o tribunal mundial perante crimes de guerra.

Fonte: https://www.r7.com/