Novo Licenciamento Ambiental no Brasil: retrocesso travestido de modernização

Por Dayvson Moura

A recente aprovação, pelo Senado Federal, da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021) inaugura um capítulo preocupante na já frágil relação entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental no Brasil. Apresentada como uma modernização capaz de simplificar os procedimentos, o texto aprovado mascara, sob o véu da desburocratização, um grave esvaziamento dos instrumentos de controle ambiental, colocando em risco direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

Representando o Rio Grande do Norte como delegado eleito na 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, vi de perto o clamor popular por um modelo de desenvolvimento sustentável, democrático e responsável. A nova proposta legislativa, no entanto, caminha na contramão dessa construção coletiva. Ao institucionalizar modalidades como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), baseada na autodeclaração do empreendedor, o Estado abre mão de seu papel fiscalizador e submete o meio ambiente ao jogo da conveniência empresarial.

A suposta inovação trazida pela Licença Ambiental Especial (LAE), aplicável a projetos “estratégicos”, ignora que o critério de prioridade estatal não pode suplantar o imperativo constitucional da precaução ambiental. É inaceitável que, em nome da celeridade, se relegue a segundo plano a realização de estudos técnicos, a avaliação de impactos cumulativos e a participação popular — pilares do controle ambiental democrático.

Ainda mais alarmante é a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias de pequeno porte. Trata-se de um cheque em branco que desconsidera realidades como o avanço do desmatamento no Cerrado e na Caatinga, muitas vezes impulsionado por ações localizadas e contínuas, mas de alto impacto agregado.

O licenciamento ambiental é, por excelência, uma ferramenta de planejamento, não um entrave ao desenvolvimento. Reduzi-lo a um procedimento cartorial é ignorar a complexidade dos ecossistemas e as dinâmicas territoriais que exigem atenção, estudo e deliberação coletiva. O risco não é apenas ecológico, mas jurídico: ao flexibilizar excessivamente as exigências, a nova legislação pode fomentar a judicialização, ao invés de reduzi-la.

O Ministério do Meio Ambiente já se manifestou de forma contundente, classificando o texto como uma afronta à Constituição. E com razão: o artigo 225 da Carta Magna estabelece como dever do poder público exigir, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ambiental, o estudo prévio de impacto. O que se observa, no entanto, é a tentativa de esvaziar esse comando sob pretextos economicistas.

Como professor de Direito e Ativista Ambiental, não posso silenciar diante deste retrocesso normativo. O Brasil, um dos países com maior biodiversidade do planeta, não pode abdicar de seus compromissos ambientais em nome de uma política de “passagem livre” ao capital. Precisamos de licenciamento célere, sim, mas sobretudo responsável, técnico, transparente e participativo.

Ao invés de sepultar o licenciamento ambiental, deveríamos fortalecê-lo com investimento em quadros técnicos, digitalização dos procedimentos e articulação federativa eficaz. O que se espera da Câmara dos Deputados agora não é a chancela da pressa, mas a sabedoria de rever um projeto que coloca em risco o que temos de mais valioso: nossa natureza, nossas comunidades tradicionais, nossa dignidade ambiental.

Dayvson M. de Moura
Advogado Ambiental, Delegado Nacional do Meio Ambiente (5ª CNMA), Conselheiro de Planejamento Urbanístico e Ambiental do Município de Natal, Professor de Direito Ambiental, Ativista, Consultor e Perito Ambiental.