Padre João Medeiros Filho
O Brasil contamina-se cada vez mais com polêmicas e radicalismos, acarretando desgaste emocional e desperdício de energias nos indivíduos. Desprezam-se oportunidades ricas de diálogos sensatos, capazes de ajudar na solução de vários problemas. A dificuldade em debater, de forma construtiva, tem revelado despreparo com o exercício das responsabilidades civis, profissionais e até religiosas. Isso não é novo. Na época de Jesus Cristo, seus concidadãos viviam psicologicamente armados. A animosidade reinava entre as províncias da Samaria e Judeia (cf. Lc 9, 52-53 e Jo 4, 9). As constantes diatribes com escribas, fariseus, saduceus e outras correntes eram análogas aos atuais embates ideológicos. Os evangelhos contêm várias alusões a esse tipo de comportamento.
Verifica-se um descompasso entre as possibilidades científicas ou tecnológicas do Brasil contemporâneo e as contradições da sociedade. Esta se enfraquece, ainda mais, com lutas fratricidas, impactando sobre o exercício das diferentes atividades. Disso resulta a fragilização crescente das instituições. Na ausência de equilíbrio ético, psicológico, político e social, falta clareza às pessoas. Assim, prevalecem conveniências e acordos condenáveis, dificultando soluções adequadas. Nesse contexto, a capacidade de diálogo se debilita, travando a percepção da verdade e o exercício da justiça e solidariedade. Discernimento e consenso estão praticamente ausentes da convivência hodierna. O outro passa a ser inimigo, lembrando o pensamento de Sartre: “O inferno são os outros”.
Atualmente, o país e os cidadãos vêm se nutrindo patologicamente de polêmicas. “Não se informa mais com objetividade e razoabilidade. Decide-se jogar mais lenha na fogueira”, advertiu o Papa Francisco, em uma de suas recentes audiências públicas. Hoje, as pessoas revelam-se incapazes de escutar e aceitar críticas que possam contribuir para a construção de dinâmicas renovadoras dos diferentes contextos. “Foi-se o contraditório, reina o ditatório”, desabafou o jurista Afonso Arinos, da tribuna do Senado, na década de 1970. Desprovidos de humildade, tangidos pela vaidade e empáfia, muitos se arrogam melhores do que realmente são.
Nos dias atuais, julga-se açodadamente. Há pressa na emissão de juízos. Desconsideram-se as ponderações necessárias para interpretar adequadamente falas e fatos. Geralmente, não se analisa o porquê das coisas. As sentenças são quase imediatas, impulsionadas por ódio, preconceitos ou interesses duvidosos. Por isso, opiniões e pareceres distanciam-se da realidade e prejudicam inúmeros processos importantes. Daí, surgem obscurantismos e polarizações. Deste modo, as instituições vão definhando. E, consequentemente, os acontecimentos são banalizados na velocidade da mídia, sem análise responsável dos conteúdos e seus alcances. Valoriza-se mais o frenesi abusivo e alienante das redes sociais, ameaçando a saúde mental dos indivíduos e da nação.
Entre as consequências desse cenário estão a ausência de habilidade para se relacionar e a crescente violência. O lar está deixando de ser local de diálogo, tornando-se reduto de conflitos. “Muitas famílias reduzem-se a meros pensionatos”, como afirmava Dom Nivaldo Monte. Isso concorre para o adoecimento do país, somado à pandemia, que também se tornou escudo ou álibi para inépcia, ausência de honestidade e seriedade em muitos. Em artigo anterior, afirmamos que as imunizações são urgentes, não apenas para vencer o Sars-CoV-2, mas também para superar outras enfermidades, que podem levar ao colapso nacional, inclusive pessoas capitularem da vida.
A desorientação generalizada é sinal de que a estrutura da nação está abalada. É preciso fortalecer a dinâmica da fé. Jesus tranquilizou o leproso: “A tua fé te salvou” (Lc 17, 19). A recuperação do Brasil clama igualmente por uma solidez espiritual e mística. Diante da crescente morbidade das pessoas e instituições, urge buscar o remédio da espiritualidade. Evidentemente, não se deve abrir mão de outros remédios, mas a verdadeira religiosidade integra a terapêutica capaz de restabelecer a dimensão mais essencial do ser humano. Ela colabora para que o sentido da vida seja percebido. Igrejas e religiões precisam desenvolver dinâmicas e vivências que ajudem o país a recompor sua interioridade, superar situações depauperantes e intransigências que dissipam a paz. Torna-se imprescindível abandonar o hábito de sofismas e disputas cegas ou deletérias. É preciso insistir nas palavras do Mestre à samaritana: “Ah, se conhecesses o dom de Deus!” (Jo 4, 10).
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Pelé vacinado
Pelé —que, como diriam os locutores de antigamente, “dispensa apresentações”— foi vacinado contra a Covid-19 nesta terça-feira (2).
“Para a alegria da nação santista, e do mundo inteiro, o Rei Pelé foi vacinado contra a Covid-19!”, anunciou o Twitter oficial do Santos.
O ex-jogador completou 80 anos em outubro do ano passado.
O antagonista.

Supremo não deve mandar prender Danilo Gentili e só remeterá ação para PGR

O STF (Supremo Tribunal Federal) não deve mandar prender Danilo Gentili, como requerido por uma ação proposta pela Câmara dos Deputados. O apresentador sugeriu, em 25 de fevereiro de 2021, que a população “invadisse” e “socasse os deputados”.
O Poder360 apurou que o relator do inquérito que investiga os atos contra o Congresso Nacional e o STF, Alexandre de Moraes, não vai tomar nenhuma decisão drástica, como a prisão de Gentili. A decisão mais provável será apenas remeter o caso para que o procurador-geral da República, Augusto Aras, dê um parecer.
Há também outra argumentação no STF a respeito desse caso. Danilo Gentili não tem prerrogativa de foro para ser processado na Corte. A Câmara teria se equivocado ao entrar com a ação no Supremo. Logo, nada pode ser feito.
Para ministros ouvidos pelo Poder360, os deputados estão apenas tentando criar uma cortina de fumaça em torno da proposta de emenda constitucional que reduz as chances de prisão de congressistas –a PEC da imunidade. Por essa razão, querem processar Gentili, que criticou essa iniciativa da Câmara, patrocinada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O fato é que há uma animosidade latente entre Legislativo e Judiciário há algum tempo. Congressistas se sentem invadidos por decisões de magistrados do Supremo. Caso realmente Alexandre de Moraes apenas remeta o caso para a PGR, haverá grande insatisfação por parte dos deputados.
A ação foi apresentada ao STF pela Câmara, por meio dos advogados Diana Segatto e Thiago Elizio Lima. O processo foi coordenado pelo deputado Luis Tibé (Avante-MG), com a anuência de líderes partidários e de Lira. Foi protocolado no STF em 27 de fevereiro de 2021.
O pedido é para que seja dado a Gentili o mesmo tratamento que teve o congressista Daniel Silveira (PTB-RJ), preso depois de divulgar vídeos em que defendia agressões físicas contra membros da Suprema Corte. Como Silveira, Gentili defendeu a agressão física dos integrantes de um dos Três Poderes.
O texto criticado por Gentili ficou conhecido como PEC da imunidade. Isso porque dificulta a prisão de membros do Legislativo, nas esferas federal, estadual e municipal. Para Gentili, a única forma de acreditar que o Brasil tem jeito seria se houvesse a invasão à Câmara.
“Eu só acreditaria que esse País tem jeito se a população entrasse agora na câmara e socasse todo deputado que está nesse momento discutindo PEC de imunidade parlamentar”, escreveu o apresentador. A mensagem depois foi apagada.

O Poder360 teve acesso ao recibo de petição eletrônica, que é enviado aos advogados para que tenham certeza de que o pedido foi devidamente encaminhado à Corte. No documento, constam os nomes dos advogados da Câmara e do apresentador. Leia a íntegra do documento.
O objetivo explícito da Câmara é a punição ao apresentador Danilo Gentili. Na prática, entretanto, a ideia é também constranger o STF, pois a Corte terá de se manifestar a respeito do caso –que tem grande simetria com o do deputado Daniel Silveira.
No caso de Danilo Gentili, há ainda o fato de ser uma pessoa de grande presença nas redes sociais. Tem 17 milhões de seguidores no Twitter contra apenas 110 mil de Daniel Silveira no momento de sua prisão (a conta no Twitter foi, posteriormente, desativada).
No caso de Silveira, a postagem sugerindo agressão a ministro do STF foi feita no canal do deputado no YouTube, que foi notificado judicialmente e teve de retirar o vídeo do ar. O YouTube pertence ao Google.
Já Danilo Gentili fez sua postagem no Twitter, a mesma rede social que baniu o ex-presidente dos EUA Donald Trump, cujas postagens foram consideradas ofensivas à democracia. O Twitter entendeu que Trump incentivava com seus posts as ações contra o Congresso norte-americano, como a invasão em 6 de janeiro de 2021.
Durante esta 3ª feira (1º.mar.2021), sem citar se já tinha sido notificado sobre o processo, Gentili comentou que foi alvo de críticas de deputados, por causa do post no Twitter. O apresentador considerou as reclamações justas.
“Eu fiz um tuíte que foi alvo de justas críticas por alguns deputados. Quem me segue sabe que sempre defendi as instituições. Aliás, minha briga com bolsonaristas foi justamente pelo fato de eu ser contrário aos pedidos criminosos de fechamento do STF e do Congresso”, afirmou.

Assim como Gentili, Daniel Silveira também se retratou, o que não impediu que continuasse preso.
A reportagem do Poder360 pediu manifestação de Danilo Gentili, de Arthur Lira e do Twitter a respeito da ação no STF. Não obteve respostas até o momento.
Poder 360.
Necessidade e importância do silêncio
Padre João Medeiros Filho
“Há um tempo certo para cada coisa: tempo de calar e tempo de falar” (Ecl 3, 7). O silêncio é uma riqueza incalculável que a sociedade está desperdiçando. Vive-se num mundo barulhento em vários sentidos e dimensões. Apesar do avanço tecnológico, ainda não se inventaram motores, britadeiras, liquidificadores, furadeiras e outros aparelhos silenciosos. Há ruídos em demasia, ao redor de nós. A publicidade de rua, carros de propaganda, paredões de som esgarçam a nossa paciência e prejudicam a audição. É relaxante caminhar por lugares desprovidos de “outdoors” e outros meios de poluição visual. Nossos olhos ficam aliviados, podendo apreciar o encanto e a exuberância da natureza. Sentimos paz ao contemplar o céu, o mar ou a montanha, que nos ajudam a pensar e repousar a alma. Os evangelistas narram Jesus Cristo isolando-se em lugares tranquilos e desertos, orando ao Pai. “Jesus retirava-se para lugares solitários e orava” (Lc 5, 16).
Há os que rejeitam o silêncio. Logo que entram em casa ou no carro, tratam imediatamente de ligar o celular, televisão, rádio, toca CDs etc. Não é tão fácil calar para escutar a si mesmo! Santa Teresinha confessava que incomoda a muitos permanecer em silêncio. “Este é a voz de Deus que abafa todas as vozes humanas”. E, não raro, evitamos ouvi-Lo para não sentir qualquer tipo de desaprovação dentro de nós. É calando que podemos descobrir o outro – e quem sabe – a nossa verdadeira identidade. Esse encontro solitário é importante. No mundo atual, há inúmeras pessoas que sentem dificuldade em acolher o próximo. Quem não gosta de si mesmo, apresenta resistência para aceitar os outros. Desconta neles o mal-estar íntimo, despejando a sua insatisfação interior. Quão verdadeira é a afirmação do poeta Fernando Pessoa: “No silêncio existe tão profunda sabedoria que, às vezes, se transforma na mais perfeita resposta.”
Quando pregávamos nos encontros de casais das paróquias, lançávamos alguns questionamentos: Vocês são capazes de ficar juntos, calados, por mais de meia hora, sem acusações mútuas e críticas a outrem? Às vezes, o silêncio entre um casal pesa, suscitando desconfianças e indagações. Surgem perguntas e dúvidas: o que você está pensando? Por que está tão calado? Não gosto de você assim. O que está aprontando ou se passa nessa cabeça? Isso é sinal de que a vida de ambos não vai bem. Conhecemos pessoas com mais de cinquenta anos de vida conjugal, capazes de passar horas, lado a lado, silenciosamente e de mãos dadas. É a suavidade de quem descobriu que a profundidade dos sentimentos dispensa palavras, como uma oração que agrada a Deus. “No silêncio alguma coisa irradia”, já dizia o Pequeno Príncipe.
Quando adentramos num hospital, deparamo-nos com alguns cartazes, convidando-nos ao silêncio. Este é também medicamento, alimenta o espírito, favorece o repouso e ajuda a recuperar as forças. A noite nos envolve tacitamente para preparar a paz do dia seguinte. O mosteiro, onde celebramos, permite-nos ainda mais refletir sobre a quietude dos claustros. Nos seminários e conventos, as refeições acontecem sem conversas, indicando que, ao nutrir o corpo, devemos alimentar também o espírito. Os frades e freiras caminham calados pelas clausuras, sem que ninguém os interrompa. Ficam horas nas capelas, deixando-se inebriar pelo Mistério de um Deus silente e aparentemente invisível. Atualmente, pessoas procuram frequentar “oficinas” de oração à procura do silêncio. Desejam beber da fonte da Água Viva.
Hoje, líderes religiosos queixam-se da falta de oração. Só reza quem é capaz de calar para escutar o Transcendente. As gerações hodiernas não aprendem a fechar os olhos para ver melhor. Poucos conhecem as grandes correntes espirituais. É comum ajoelhar-se, sem haver reverência interior, recolhimento, prece e contemplação. Poucos atentam para o silêncio como uma forma de diálogo e aprofundamento. Urge escutar o Mistério e auscultar o Invisível. Sem silenciar, ninguém escuta Deus. Dizem os místicos que o mundo está em crise, porque ouvimos mais as criaturas do que o Criador. Lembra-nos a Sagrada Escritura: “Deus não estava no trovão, na tempestadade, no fogo, mas no silêncio e numa brisa suave.” (1Rs 19, 10-12).

PTB denuncia Moraes na Comissão Interamericana de Direitos Humanos
O PTB apresentou denúncia contra o STF e o ministro Alexandre de Moraes na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por causa da prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ), na semana passada.
O partido acusa o ministro de violar a imunidade parlamentar e de praticar abuso de poder com o ato, pelo fato de a medida ter sido decretada de ofício, sem pedido do Ministério Público, cumprida após as 18h e ainda incluir censura sobre as redes sociais do deputado.
“Não há como se falar em imparcialidade, em garantias processuais e respeito aos direitos humanos quando a suposta vítima é quem investiga e julga, sem que existam mecanismos externos de controle!”, diz a denúncia.
A peça questiona a caracterização de crime em flagrante pelo deputado, em razão do vídeo publicado nas redes sociais, e acusa Moraes de afrontar a liberdade de expressão.
“Anos após a gravação de vídeo disponibilizado no YouTube ou qualquer outra plataforma social, o autor ainda estará em situação de flagrância?”, questiona o PTB. “A prisão de parlamentares por crimes de opinião é ato típico de regimes autoritários antidemocráticos”, diz outro trecho.
A peça diz que não há quem recorrer no Brasil, uma vez que a prisão foi referendada pelos outros 10 ministros e pede que a Comissão dê uma liminar recomendando ao STF soltar Silveira, suspender o bloqueio de suas redes e não prender outras pessoas por críticas à Corte.
Leia aqui a íntegra da denúncia.

O antagonista.

Para liberar o auxílio, Congresso pode dar um golpe no SUS e no Fundeb

Pelo ritmo da tragédia, é bem provável que o Brasil ultrapasse as 250 mil mortes por covid-19 nesta quinta (25). No mesmo dia, o Senado deve votar a PEC Emergencial, que traz o fim da exigência de gastos mínimos do poder público em saúde e educação. Nada mais justo. Vamos celebrar uma aberração com outra.
Considerando que vivemos uma pandemia que contaminou milhões e prejudicou a educação de outros milhões, precisamos mais do que nunca de serviços públicos de qualidade. Mas a proposta à mesa é uma pancada tanto no SUS (Sistema Único de Saúde) quanto no recém-renovado Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), fundamentais para retomar a vida de onde ela parou.
O fim do piso é visto como uma das “condicionantes” para a renovação do auxílio emergencial. Em outras palavras, é como se o Estado tivesse sequestrado a dignidade dos brasileiros mais pobres prometendo libertá-la mediante a ativação de uma bomba-relógio. Tic-tac.
O governo Bolsonaro e sua base no Congresso dizem que não existem condicionantes, apenas um sinal de que o país é responsável com as contas públicas. Ah, vá! Depois da mão peluda de Jair Messias na Petrobras? A população brasileira não tem “mercado financeiro” tatuado na testa para tamanho nível de engana-que-eu-gosto.
O relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), previu o fim do piso constitucional de gastos em saúde e educação para União, estados e municípios. Ou seja, se for aprovado, presidentes, governadores, prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais e distritais e senadores passariam a decidir o montante para essas áreas.
Citando o filósofo Fabrício Queiroz, isso é “uma pica do tamanho de um cometa” sendo jogada no colo da população que depende de serviços públicos de saúde e educação. Como nem sempre investimentos nessas áreas chamam a atenção em ano eleitoral, a chance de lápis e esparadrapo virarem asfalto é grande.
A porcentagem do mínimo constitucional de gastos nesses dois setores pelo governo federal foi substituída, em 2018, após a Emenda do Teto de Gastos entrar em vigor, pelo total desembolsado no ano anterior corrigido pela inflação. Já Estados e municípios precisam aplicar 25%, em educação, e 12% e 15%, em saúde, respectivamente. Seguindo o roteiro do governo, vai tudo pro vinagre.
Muito antes do ministro Paulo Guedes dizer que empregadas domésticas estavam viajando demais para a Disney, reclamar que rico poupa enquanto pobre gasta tudo e alertar que ninguém se assustasse com um novo AI-5 se rolassem manifestações contra o governo, ele já defendia a desvinculação das receitas da saúde e da educação no início de 2019.
Agora, o governo e sua base têm a oportunidade de surfar sobre o desespero e a fome, que se instalaram com desemprego e o atraso no retorno do auxílio, para aprovar sua desejada agenda. O que é algo ética e esteticamente muito feio, mesmo para os novos padrões da Era Bolsonaro.
Em meio a isso, há parlamentares responsáveis se organizando no Congresso e entidades da sociedade civil se mobilizando para tentar impedir que essa tragédia aproveite a tragédia.
Se isso passar, o presidente e seus aliados serão responsáveis por aquilo que ele disse que não faria: tirar de pobres para dar a paupérrimos.
Só que pior: vai tirar muito de pobres e paupérrimos para devolver um tiquinho na forma de um auxílio emergencial mirrado e, ainda por cima, cantar de galo como “pai dos necessitados”, à espera de se vestir com glória nas eleições de 2022. Antes da bomba explodir.
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Pelo ritmo da tragédia, é bem provável que o Brasil ultrapasse as 250 mil mortes por covid-19 nesta quinta (25). No mesmo dia, o Senado deve votar a PEC Emergencial, que traz o fim da exigência de gastos mínimos do poder público em saúde e educação. Nada mais justo. Vamos celebrar uma aberração com outra.
Considerando que vivemos uma pandemia que contaminou milhões e prejudicou a educação de outros milhões, precisamos mais do que nunca de serviços públicos de qualidade. Mas a proposta à mesa é uma pancada tanto no SUS (Sistema Único de Saúde) quanto no recém-renovado Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), fundamentais para retomar a vida de onde ela parou.
O fim do piso é visto como uma das “condicionantes” para a renovação do auxílio emergencial. Em outras palavras, é como se o Estado tivesse sequestrado a dignidade dos brasileiros mais pobres prometendo libertá-la mediante a ativação de uma bomba-relógio. Tic-tac.
O governo Bolsonaro e sua base no Congresso dizem que não existem condicionantes, apenas um sinal de que o país é responsável com as contas públicas. Ah, vá! Depois da mão peluda de Jair Messias na Petrobras? A população brasileira não tem “mercado financeiro” tatuado na testa para tamanho nível de engana-que-eu-gosto.
O relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), previu o fim do piso constitucional de gastos em saúde e educação para União, estados e municípios. Ou seja, se for aprovado, presidentes, governadores, prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais e distritais e senadores passariam a decidir o montante para essas áreas.
Citando o filósofo Fabrício Queiroz, isso é “uma pica do tamanho de um cometa” sendo jogada no colo da população que depende de serviços públicos de saúde e educação. Como nem sempre investimentos nessas áreas chamam a atenção em ano eleitoral, a chance de lápis e esparadrapo virarem asfalto é grande.
A porcentagem do mínimo constitucional de gastos nesses dois setores pelo governo federal foi substituída, em 2018, após a Emenda do Teto de Gastos entrar em vigor, pelo total desembolsado no ano anterior corrigido pela inflação. Já Estados e municípios precisam aplicar 25%, em educação, e 12% e 15%, em saúde, respectivamente. Seguindo o roteiro do governo, vai tudo pro vinagre.
Muito antes do ministro Paulo Guedes dizer que empregadas domésticas estavam viajando demais para a Disney, reclamar que rico poupa enquanto pobre gasta tudo e alertar que ninguém se assustasse com um novo AI-5 se rolassem manifestações contra o governo, ele já defendia a desvinculação das receitas da saúde e da educação no início de 2019.
Agora, o governo e sua base têm a oportunidade de surfar sobre o desespero e a fome, que se instalaram com desemprego e o atraso no retorno do auxílio, para aprovar sua desejada agenda. O que é algo ética e esteticamente muito feio, mesmo para os novos padrões da Era Bolsonaro.
Em meio a isso, há parlamentares responsáveis se organizando no Congresso e entidades da sociedade civil se mobilizando para tentar impedir que essa tragédia aproveite a tragédia.
Se isso passar, o presidente e seus aliados serão responsáveis por aquilo que ele disse que não faria: tirar de pobres para dar a paupérrimos.
Só que pior: vai tirar muito de pobres e paupérrimos para devolver um tiquinho na forma de um auxílio emergencial mirrado e, ainda por cima, cantar de galo como “pai dos necessitados”, à espera de se vestir com glória nas eleições de 2022. Antes da bomba explodir.
Poder 360.
Jardim de ou do Piranhas?
Padre João Medeiros Filho
Lá se vão quase setenta anos do meu ingresso no Seminário Diocesano de Caicó. Ali, convivi com Manoel Etelvino, Rui Gomes e Laércio Segundo de Oliveira, ao qual muito deve a educação do Rio Grande do Norte. Com este último mantenho, há décadas, uma amizade sem rusgas e abalos. Após o rito litúrgico de iniciação clerical, na Sé de Olinda – antes de minha partida para a Bélgica – ele me fez a primeira tonsura. Os três jovens citados eram naturais da terra de Padre João Maria, nascido no sítio Logradouro, perto do “povoado de Jardim do Piranhas”. Assim se expressava Monsenhor Emygdio José Cardoso, pároco do município de Caicó, no início do século XX, do qual era distrito, à época, Jardim de Piranhas.
O venerando arcipreste da freguesia de Santana inspirava-se nas palavras do apóstolo Paulo: “Permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas.” (1Ts 2, 15). Como informação paralela, conta-se que Padre Emygdio sugeriu ao professor Pedro Gurgel a mudança do nome de Armando para Walfredo (nosso futuro governador). O vigário caicoense era amigo e admirador de outro Walfredo (Leal Soares), que estivera à frente do governo paraibano, tendo sido também deputado e senador da República. Pareceu uma profecia. Foi essa a mesma trajetória de nosso inolvidável ex-governante.
O historiador Monsenhor Francisco Severiano de Figueiredo, descrevendo as paróquias e comunidades da antiga diocese da Paraíba, adota a denominação: “Jardim do Piranhas, capela de Caicó”. Até hoje, a pergunta permanece: Jardim de ou do Piranhas? A denominação atual de Jardim de Piranhas leva a pensar que a localidade tinha abundância dessa espécie ictiológica. As palavras referem-se ao Rio Piranhas-Açu, que banha a cidade. Na verdade, trata-se de uma figura de sintaxe: elipse (no caso, a omissão do termo rio). No entanto, a denominação atual do município tem causado dubiedade.
Segundo o jesuíta Serafim Leite, “era tradição dos missionários nominar os lugares, anexando identificações de acidentes geográficos: rios, montanhas, serras, vales etc.” Cabe considerar a toponímia como uma das heranças culturais legadas pelos indígenas. Portanto, o jardim é do Rio Piranhas. Assim foram “batizadas” outras localidades potiguares e de outros estados: Jardim do Seridó, São João do Sabugi, São Miguel do Jucurutu (nome primitivo da paróquia e município). O costume generalizou-se. Assim, temos São Paulo do Potengi, São Bento do Trairi, Santa Cruz [do Inharé] etc. com aposição dos nomes fluviais. Da mesma forma, verifica-se a denominação de Serra de João do Vale (referência ao vale do Assú). Conceição do Piancó (PB), tendo o aposto do nome da região e do rio paraibano. O mesmo acontece com Santana do Acaraú (CE). Atualmente, alguns lugares ainda levam a designação completa do acidente geográfico, por exemplo: São João do Rio do Peixe (PB), Caiçara do Rio dos Ventos, Cachoeira do Rio dos Sapos (RN) etc.
Há de se zelar pelas primitivas denominações das localidades. O parlamento estadual e as câmaras municipais devem, quando necessário, consultar os Conselhos de Cultura ou Institutos Históricos para elucidar dúvidas e obter esclarecimentos. Por vezes, em documentos oficiais (leis decretos, portarias, resoluções, instruções normativas, pareceres etc.) soe acontecer inexatidões e erros. Também no campo educacional, não é raro o emprego de termos incorretos presentes em atos emanados dos poderes públicos, em desacordo com a Lei 9394/96 (em seus artigos 8º-11), quando trata da organização da educação nacional.
Lembro-me de uma conversa entre Monsenhor Walfredo Gurgel, Osvaldo Lobo e Plínio Dantas Saldanha (Marinheiro), por ocasião de um almoço oferecido por meus pais aos amigos. O erudito presbítero potiguar corrigia com maestria e delicadeza os comensais, quando aludiam a Jardim de Piranhas. O sacerdote retrucava, afirmando que estavam incorrendo em erro histórico-cultural. Conhecedor das nossas tradições, Monsenhor Walfredo Gurgel lembra as palavras de Cristo: “Não vim abolir a Lei…, mas completá-la” (Mt 5, 17). Mostrava, há mais de sessenta anos, a necessidade de se rever a terminologia e empregar corretamente a designação do município seridoense. E arrematou, de forma lapidar: “a verdade histórica e cultural deve prevalecer sobre outros interesses!”