A honestidade intelectual

 

Padre João Medeiros Filho

Pode-se verificar a forte influência exercida pela mídia sobre a cultura e o comportamento humano. Isso conduz a uma redobrada atenção sobre algumas desconstruções de conceitos fundamentais para o homem e a sociedade. O desinteresse pelo que é verdadeiro chega ao limite do tolerável. O pensamento pós-moderno – inspirado na dúvida cartesiana – questiona toda e qualquer verdade, fazendo com que a humanidade não dê mais importância ao que é certo ou errado. “Um dos maiores erros e pecados de nossos dias é a desonestidade intelectual, fonte de outras desonestidades”, afirmou o Papa Francisco. Parece não haver mais verdade, e sim interesses; direitos rechaçados por conveniências. Implantou-se o império do “politicamente correto”. Importa o que convém a alguns e não a objetividade dos fatos e realidades. Esquece-se o interesse coletivo ou o bem comum e cultua-se a egolatria.

Tangida pela onda do relativismo, a cultura atual busca desacreditar a milenar tradição que apresenta o conhecimento sob o ângulo da unidade da razão, isto é, a verdade em sua conceituação filosófica e ética. Em seu lugar, entronizam-se o oportunismo e a conveniência de ocasião. Muitas são as investidas em favor da fragmentação da verdade. Contrário a todo e qualquer projeto de veracidade, estabelece-se o reino dos sofismas e das mentiras em prol de interesses de alguns. Cada qual constrói para proveito próprio a sua versão, querendo impô-la como única e verdadeira.

Jorge Mario Bergoglio, no início de seu pontificado, denunciou a “ditadura do relativismo”, invadindo as instituições sociais, escolas e famílias, colocando em perigo a sadia convivência entre os homens. “Sem a verdade, não haverá paz”, concluiu o atual Pontífice. E continuou: “não pode haver paz, se cada um é a medida de si mesmo, reivindicando sempre e apenas os seus próprios direitos, sem se importar com o bem e o respeito aos direitos de todos” (Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, em 2013). Acompanha-se o surgimento de várias ideias contrárias à imutabilidade da lei natural. Ideologias, como a de gênero, a desconstrução da família etc. são bastante polêmicas. Dizer que a sexualidade de cada pessoa é algo subjetivo – desconexo da objetividade do corpo – é fechar os olhos e negar o princípio antropológico-biológico da identidade. “Se não sou eu o criador ou autor da corporeidade, não posso mudá-la. Isso é falso e ilusório”, assim se expressara o teólogo Joseph Ratzinger (mais conhecido como Papa Bento XVI).

Tais ideologias pretendem moldar – a partir de uma ação orquestrada e difundida mundialmente – “seres humanos”. Segundo a doutrina cristã, Deus não concedeu ao homem o direito e poderes de mudar radicalmente o que Ele criou. Há aqueles que defendem como lícito reconstruir, a seu bel prazer, o corpo humano, do qual não são autores.  Trata-se de um descompromisso com a verdade e a lei natural, fundamento indispensável para edificar a comunidade dos homens e elaborar a lei civil. O sociólogo jesuíta padre Fernando Bastos d´Ávila, em brilhante conferência na Academia Brasileira de Letras (da qual era membro), assim se pronunciou: “Alguém tem escritura lavrada em algum cartório de que é dono exclusivo e absoluto da vida e do corpo”?

Quem se proclama medida única das coisas e da ética não consegue conviver e colaborar com o próximo e a sociedade (cf. Compêndio de Doutrina Social da Igreja, nº 142). Infelizmente, muitos encarnam analogamente a frase de Luís XIV: “l´état c´est moi”, querendo que sua vontade (ou a de seu partido) seja a lei! A negação ou o descaso da verdade (corolário da lei natural) gera uma cisão entre a liberdade dos indivíduos e o direito de outrem. É o que se assiste no Brasil de hoje. Auxiliados por Jesus Cristo, que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6), esforcem-se os cristãos para que seus atos edifiquem o saudável convívio entre os seres humanos e a promoção do reino da justiça e da paz. “É preciso estar atentos para que nenhum dos nossos sejam seduzidos por qualquer vento de vã doutrina” (Hb 13, 9).

Santo Inácio de Loyola

Padre João Medeiros Filho

Celebra-se a festa litúrgica de Santo Inácio de Loyola, no dia 31 de julho, aniversário de sua morte, ocorrida em 1556. Piedoso, mas sem pieguice. Firme, contudo, terno e compassivo; culto e erudito, porém desnudado de arrogância. Obediente à Igreja, todavia sem subserviência. Teólogo, no entanto, distante de ideologias; humano, entretanto, sedento do divino! Poderia ser este o perfil de Inácio. O centro de sua vida foi Cristo. Denominou a ordem religiosa por ele fundada de Companhia de Jesus.

Nasceu, aos 31 de maio de 1491, em Loyola, município de Azpeitia, no País Basco. Recebeu o nome de Íñigo López. Perdera a mãe na tenra idade e o pai, aosdezesseis anos. Em 1506, tornou-se pajem do ministro do Tesouro Real de Castela. Em 1516, colocou-se a serviço do vice-rei de Navarra Gravemente ferido na batalha de Pamplona, passou meses convalescendo. Durante talperíodo, dedicou-se à leitura de obras cristãs, como:Vita Christi”, de Rodolfo da Saxônia, Imitação de Cristo, de Tomás Kempis e “Legenda Áurea, de Jacopo de Varazze. Desejou uma vida voltada para Deus, seguindo o exemplo de Francisco de Assis e outros líderes espirituais.Desenvolveu os primeiros passos dos Exercícios Espirituais, que exerceriam grande influência naevangelização da Igreja. Após recuperar a saúde, decidiu consagrar-se ao serviço da Divina Majestade.

E1528, entrou para a Universidade de Paris. Ali,com outros universitários, plantou a semente de sua futura ordem religiosa. Incentivava o amor ao estudo, tornandoos padres da Companhia de Jesus muito bem preparadosintelectualmente. Isso explica sua vocação de educadores ededicação a colégios e universidades. No dia 15 de agosto de 1534, é fundada oficialmente a Companhia de Jesus na cripta de Saint-Denis da Igreja de Santa Maria, em Montmartre. Em 1537, o Papa Paulo III concedeu a aprovação canônica à ordem religiosa, autorizando a ordenação sacerdotal de seus fundadores.

O Papa Francisco é membro dessa ordem religiosa. Há seis anos, o mundo admirou a sua humildade. Em lugar da bênção que todos aguardavam, inclinou a cabeça e pediu que rezassem por ele. Nesses anos de pontificado, Bergoglio tem realizado um caminho renovador. O que importa para ele, como sacerdote jesuíta, é a centralidade em Jesus Cristo e seu ensinamento, não somente anunciado com palavras, mas com a vida. Procura agircomo o fariam o Mestre e Santo Inácio, aproximando-se das pessoas, escutando-as, consolando-as, sem julgá-las, porém amando-as. Bergoglio sentiu-se tocado pela vida de Inácio de Loyola, o qual era um apaixonado pelo Evangelho, sedento da graça divina, semelhante aoapóstolo Paulo: “Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

Inegavelmente, a educação brasileira muito deve à Companhia de Jesus. Como não reconhecer o valor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, confiada aos jesuítas, desde a sua fundação pelo Cardeal Leme? É valioso o contributo da Universidade do Rio dosSinos, em São Leopoldo (RS), da Universidade Católica de Pernambuco, da Faculdade Jesuíta, de Belo Horizonte, dos colégios Anchieta, Nóbrega, Padre Antônio Vieira, São Luís, Santo Inácio e outros, para a formação de tantoslíderes cristãos e quadros profissionais. No passado, o Rio Grande do Norte beneficiou-se da catequese dos jesuítas. Atualmente, tem-se o exemplo da obra evangelizadora de padre Agustin Catalayud, em Natal. Tudo para a maior glória de Deus”, segundo o lema inaciano. Câmara Cascudo registra a presença dos jesuítas em Arês, Extremoz, Angicos (outrora Curral dos Padres, em alusão aos presbíteros jesuítas) e até na pequena Jucurutu, de antanho. Eis o que também afirma o historiador Serafim Leite: Perseguidos, os nossos [termo como os jesuítas chamam os confrades] se refugiaram numa pequena aldeia, administrada pela Companhia [de Jesus], que do Arraial [Açu] dista cerca de dez léguas, à margem de um rio, povoado de piranhas, que banha igualmente o citadoarraial. Inácio de Loyola e seus discípulos combateram os erros e desvios do seu tempo. Seu testemunho de vida deve ser lembrado no Brasil de hoje, tão carente de justiça, de verdade, sobretudo de Deus!

A devoção a Sant´Ana

Padre João Medeiros Filho

Segundo a tradição católica, Ana era a mãe de Maria Santíssima. Nos evangelhos não constam informações a esse respeito. Os nomes de Ana e Joaquim são citados em escritos apócrifos, dentre eles, o Protoevangelho de São Tiago, datado de 150 d.C. Parece ser este o documento mais antigo a mencionar os genitores da Virgem Mãe de Deus. Apesar de receber pouca atenção da Igreja ocidental até o final do século XII, no Oriente, a devoção a Sant´Ana remonta  ao século VI. A partir de então, é reverenciada nas igrejas orientais e duas de suas grandes festas lhe foram dedicadas. 

Nas denominações evangélicas históricas, especialmente entre os luteranos, Ana também é venerada. Conta-se que Lutero ingressou na vida religiosa, como frade agostiniano, após pedir a sua proteção numa noite de tempestade. Por tal razão, em alguns países europeus, invoca-se a Mãe da Virgem de Nazaré como protetoracontra os relâmpagos. A esposa de Joaquim também é reverenciada no Islã. Seu nome não é citado no Alcorão. Entretanto, é reconhecida como uma mulher altamente espiritual e Mãe de Maria. Segundo as narrativas islâmicas, Hannah não tinha filhos, até a idade avançada. Um dia, sentada sob uma árvore, viu um pássaro alimentaros filhotes e sentiu o desejo de ser mãe. Suplicou ao Altíssimo e engravidou, dando à luz uma menina a quem atribuiu o nome de Miriam.

Sant’Ana tem sido muito cultuada pelos cristãos. Na igreja oriental, sua devoção aparece por volta do ano 550, quando Justiniano mandou construir em Constantinopla um templo em sua homenagem. Em 1584, o Papa Gregório XIII fixou o dia 26 de julho para sua festa litúrgica. Em 1879, Leão XIII a estendeu para toda a Igreja. No Ocidente, a primeira representação pictórica, atestando sua veneração, é um afresco do século VIII, exposto na igreja de Santa Maria Antiqua, em Roma. As imagens e ícones de Sant´Ana mostram-na (em pé ou sentada) com as tábuas da lei, abraçada a Maria Santíssima. Isto é simbólico, deseja mostrá-la como mestra da Palavra divina, exemplo a ser seguido pelos seusdevotos.

Seu culto expandiu-se pelo mundo inteiro. Santuários, catedrais, capelas, cidades e províncias lhe são dedicados. Destaca-se como padroeira da Bretanha, de Quebec e Düren (Alemanha). No Brasil, é titular de dezessete catedrais, co-padroeira das arquidioceses de São Paulo e do Rio de Janeiro. Cabe lembrar que é também a protetora de Goiás. No Rio Grande do Norte, é padroeira da diocese seridoense e de três paróquias (em Caicó, Currais Novos e Santana do Seridó). No bispado de Mossoró, é orago de Luís Gomes e Campo Grande. Na arquidiocese natalense, é venerada como titular das matrizes de São José de Mipibu, Santana do Matos, Capim Macio e Soledade II.Fato digno de nota é o seguinte: a freguesia de Jucurutu,ao ser criada, teve o seu território desmembrado de três jurisdições paroquiais dedicadas a Sant´Ana (Caicó, Campo Grande e Santana do Matos).

A devoção a Sant´Ana difundiu-se de tal modo que a Igreja lhe reserva o título de “Senhora”, que só fora concedido a sua filha. Assim, entende-se porque muitos católicos passaram a chamá-la de Nossa Senhora Sant’Ana. É patrona da Casa da Moeda do Brasil, por designação de Dom João VI. Exímia gestora e financista,dividia o salário do esposo em três partes: uma para a manutenção da família, outra para o culto e a terceira para ajudar os pobres. Suas relíquias são veneradas em vários lugares. Merecem destaque aquelas da catedral de Apt (perto de Avignon, na França), onde, segundo alguns pesquisadores, encontram-se seus restos mortais. Narra-se que, durante os séculos XII e XIII, os cruzados e peregrinos, ao retornarem do Oriente, trouxeram-nas até aquela cidade da antiga Gália.

Em Emaús (Parnamirim), há um mosteiro consagradoa Sant´Ana, local de adoração eucarística. Dom Nivaldo quis ressaltar o exemplo de Ana, a qual preparou Maria para ser o primeiro sacrário da humanidade. Desejavaque ela também educasse os corações dos fiéis para setornarem tabernáculos vivos de Cristo. “Salve, Sant’Ana gloriosa, nosso amparo e nossa luz”, cantam fervorosos os seridoenses.

A cor púrpura e os cardeais

Padre João Medeiros Filho

Em várias obras que abordam o tema, fala-se de púrpura, de matiz violeta, escarlate, azul etc. Afinal, qual é a sua verdadeira cor? Alguns estudiosos a definem comouma tonalidade violácea e variações de vermelho. A matéria prima é extraída da glândula hipobranquial de uma espécie de molusco existente no Mar Mediterrâneo.Quando exposta à luz e ao ar, essa glândula transparente tornase amarela. Em seguida, passa à coloração verde,que se transforma em azul e, por fim, em vermelho-violeta. Eis as informações de Inge Boesken Kanold, uma das maiores autoridades em cores raras. A púrpura tornou-se especial, em virtude de sua versatilidade, a partir da sua exposição à ação da luz e do ar, por um tempo maior ou menor. Originariamente, pode apresentar tons diferentes, mas seu colorido marcante está entre a ametista e overmelho-escuro.

No Império Romano, a púrpura era considerada preciosíssima. Apenas o imperador e os nobres vestiam-se com roupas preparadas com ela. Outras autoridades e dignitários do império trajavam vestimentas de outras cores, de acordo com sua categoria ou importância. Por volta do ano 60 de nossa era, Roma amanheceu indignadacom um decreto de Nero, restringindo seu uso à família imperial. Estabeleceu a pena capital e o confisco dos bens para os plebeus que usassem ou simplesmente comprassem tecidos purpúreos. Não é difícil imaginar o quanto esse ato despótico do imperador suscitou dereações iradas e revoltas nos membros das classes dirigentes e nos comerciantes.

Com o falecimento de Nero, o uso da púrpura foi liberado para quem tivesse condições de adquiri-la.Entretanto, quase quatro séculos mais tarde, o imperador bizantino Justiniano I restringiu novamente seu uso à corteimperial. Seus descendentes passaram a receber o epítetode porphyrogênete, isto é, nascido na púrpura. Com o tempo, o decreto deixou de ser aplicado, pois o comércio dos tecidos tingidos com a referida cor foi se tornandoraro, culminando com a queda de Bizâncio, em 1453. No entanto, na Europa, a partir do século XI, a púrpura foi sendo cada vez menos utilizada. Demasiadamente cara e fonte de manifestação de luxo em nada elogiável, seu uso sofreu censura por parte de destacadas figuras do clero, dentre as quais, São Bernardo de Claraval. Acabou sendopraticamente esquecida nas alfaias sacras.

Posteriormente, foi consagrada como cor característica dos cardeais católicos, revelando sua relevância e nobreza. Os senadores romanos eram definidos metaforicamente como parte do corpo do imperador. De forma análoga e segundo a tradição católica, os cardeais, que compõem o senado eclesiástico, também fazem parte do corpo do papa, desde 1150. O título de “cardinalis (pedra fundamental) era dado pelo imperador a generais e prefeitos pretorianos. Na Igreja, eles são os consultores pontifícios, tendo também a funçãode eleger e assessorar o Sumo Pontífice. Vale salientar que até o século XII, o Sucessor de Pedro era eleito pelo clero e fiéis de Roma, pois se trata de seu bispo.

A cor púrpura – outrora dominante no manto e na toga dos nobres romanos – é hoje característica dos cardeais, considerados príncipes da Igreja. Assume, porém, uma nova conotação: a de lembrar o sangue derramado por Cristo. Revestiu-se de um simbolismo, qual seja, o compromisso e a disposição dos cardeais de derramar seu sangue em defesa do Evangelho. Muito mais do que sua utilidade ornamental, a batina, o manto e barrete cardinalícios ressaltam um caráter simbólico e teológico. João Paulo II o relembra, dirigindo-se aos novos purpurados, em fevereiro de 2001: A púrpura não é o símbolo do amor apaixonado por Cristo? Nesse vermelho rutilante não está o fogo ardente do amor à Igreja que deve alimentar em vós a disponibilidade, se necessário, até o supremo testemunho do sangue, que está simbolizado? Mas nem todos se mostram dispostos a trilhar o caminho da simplicidade e humildade de Cristo. Alguns preferem as pompas imperiais às sandálias do pescador. Por isso, opõem-se abertamente às reformas deFrancisco, empenhado em desclericalizar a Igreja e livrá-la da ostentação, da opulência e da sede de poder!

O Sínodo da Amazônia

Padre João Medeiros Filho

O sínodo é uma assembleia periódica de bispos de toda a Igreja Católica, de um país ou região, presidida pelo Papa, para tratar de assuntos concernentes à vida eclesial. Constitui uma instância consultiva, inspirada no Concílio Vaticano II, prevista e normatizada pelo Código de Direito Canônico. Há também sínodos nas dioceses presididos pelos respectivos bispos. Meses atrás, o Sumo Pontíficeconvocou a referida assembleia para o período de 6 a 27 de outubro, no Vaticano. As circunscrições eclesiásticas daregião amazônica estão debruçadas sobre o documento preliminar (“Instrumentum laboris”). O texto é o ponto de partida para os debates dos participantes do encontro. O citado instrumento foi disponibilizado no dia 17 de junhopróximo passado, pela assessoria de imprensa da Santa Sé. Intitula-se “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral” e foi publicado simultaneamente em três idiomas (espanhol, português e italiano). Compõe-se de três partes e 21 capítulos.

Na sua pauta, vários assuntos de cunho pastoral, teológico e social. Tem dentre seus objetivos conhecer melhor a riqueza do bioma, os saberes e a diversidade dos povos da Amazônia, especialmente os indígenas, suas lutas por uma ecologia integral, seus sonhos e esperanças. Visa a reconhecer as lutas e resistências de sua gente, que enfrenta ainda a colonização e projetos desenvolvimentistas voltados para a exploração desmedida e a destruição da floresta e dos recursos naturais. O Sínodo será, pois, um espaço privilegiado de escuta. Oportunidade para a Igreja qualificar ainda mais a sua missão na Amazônia, oferecendo a todos singular chance de dedicar melhor atenção a essa realidade ambiental, histórica, cultural, social, econômica e religiosa, de notável relevância. Por isso mesmo, a Igreja é interpelada a ouvir as pessoas, ricas de vida e sabedoria.

Com este debate histórico, Francisco pretende dar uma resposta ao que denomina ecologia integral: “o grito da terra e dos sofridos”. Após a publicação da encíclica “Laudato Sí”, Jorge Mario Bergoglio é considerado um dos pontífices mais sensíveis aos problemas ecológicos. Ele convocou o Sínodo a fim de proteger os povos daquela região, que abrange nove países, considerada o pulmão do planeta.

O texto-base, elaborado a partir de questionários realizados com religiosos e fiéis da região, destaca a preocupação e também alerta para os graves problemas enfrentados pela Amazônia, como a devastação de seu território por grandes corporações, a corrupção, a migração para as cidades e o abandono das naçõesindígenas. É preciso “solicitar aos governos que garantam os recursos necessários para a proteção efetiva dos povos indígenas isolados”, clamam os prelados da Amazônia. Há de se encontrar caminhos para superar os processos que atentam contra a vida, pela destruição e exploração que depreda a Casa Comum e viola os direitos humanos elementares da população amazônica. Essa ameaça ao homem e à natureza deriva de interesses econômicos e políticos de setores dominantes da sociedade com conivências de governos. É preciso, assim, enfrentar a exploração irracional e construir um novo tempo – tempo de Deus – humanizado na Amazônia.

Os participantes irão discutir igualmente a possibilidade de ordenar homens casados e conferir alguns ministérios – em nível de diaconato – às mulheres para regiões distantes e carentes. De acordo com teólogos e historiadores, trata-se de uma abertura sem precedentes na história eclesial e de um gesto profundamente evangélico e inovador do Santo Padre. O texto assinala que o celibato é uma dádiva para o Povo de Deus. No entanto, para as áreas mais longínquas da região, analisar-se-á a viabilidade da ordenação sacerdotal de pessoas maduras e idôneas, respeitadas por sua comunidade, mesmo que já tenham uma família constituída e estável. Um dos objetivos precípuos é assegurar a recepção dos sacramentos que fortalecem a vida cristã. Além da abertura aos viri probati”, isto é, homens casados com funções sacerdotais, os bispos irão refletir sobre a probabilidade de criar “novos ministérios para responder de modo mais eficaz às necessidades dos povos amazônicos”. O Papa Francisco vive o que diz a Bíblia: “Eu vi a aflição do meu povo. Ouvi o clamor dos oprimidos” (Ex 3, 7).

O bom nome é uma riqueza

Padre João Medeiros Filho

Quando criança, ouvia dos mais idosos que um dos valores preciosos da vida é o bom nome. Não se trata depessoas famosas, que atraem milhares de seguidores. O pensamento aqui se volta para a admiração e o respeito que alguém conquistou ao longo da vida. Construído dia após dia, lentamente, torna-se um bem valioso. E para obter tal reconhecimento, são necessárias escolhas certas, guiadas pela busca do que é legal, ético, justo, honesto e digno. Mas não se pode negar que é também algo frágil. Que o digam as redes sociais. Em questão de minutos, o conceito de alguém pode ser manchado e destruído. Nesse tipo de mídia, a cada momento, é lançada uma avalanche de palavras, ora edificantes, ora deletérias, e não raro com incitação à agressividade e ao ódio. Observa-se que a rapidez das mensagens não possibilita a ponderação, como exercício da inteligência e da prudência na comunicação. No silêncio da leitura pode-se não escutar o outro. Assim, as redes vão se tornando, pouco a pouco, lugares de discussões inflamadas e desrespeitosas. Concebidas para unir, estão se transformando em espinheiros, ferindo os que delas se aproximam.

É possível constatar que, uma vez lançado na lama, não será fácil limpar um bom nome. É muito difundida a metáfora sobre a calúnia e difamação, comparadas a um saco de plumas jogadas ao vento, do alto de uma torre. Mesmo que, tempos depois, se consiga provar a maldade do caluniador, o dano está causado. E se o erro vier a ser reparado, a sua cicatriz não desaparece. Já recomendava o apóstolo Paulo: “Abandonem todas estas coisas: ira, indignação, maldade, maledicência e linguagem indecente. Não mintam uns para os outros” (Col 3, 8-9).

Com o advento da internet, proliferou o número de mentirosos, maledicentes e detratores anônimos. Estes sãoapenas alguns termos para definir os destruidores da reputação alheia. Aproveitam toda oportunidade para menosprezar qualquer pessoa, talvez pelo simples prazer de destruí-la, por fanatismo, sectarismo ou até mesmo problemas psicológicos. Seria conveniente um estudoacurado sobre as causas de tal comportamento. Inveja? Ódio? Recalque? Frustação? Complexo de inferioridade?Sadismo? Provavelmente, um pouco disso tudo.

Não se pode ficar indiferente diante dessa realidade. O mínimo que as pessoas de bem devem fazer é evitar compartilhar mensagens inverídicas e não comprovadas,recebidas diariamente. Ou então, antes de repassá-las, verificar se expressam a verdade. A utilização inadequada de mensagens é desrespeitosa, não convence e causagrandes estragos. A Sagrada Escritura insiste sobre a necessidade de se preservar a reputação de alguém. “Não espalharás boatos, nem colaborarás com o ímpio por meio de testemunhos falsos (Ex 23, 1). Os discípulos de Jesus não podem aceitar a mentira. Ainda mais: devem rejeitar “todo dolo, hipocrisia, inveja e qualquer espécie de calúnia” (1Pd 2,1), advertia o apóstolo Pedro.

A maledicência e a calúnia destroem a honra do próximo. Todos devem gozar do direito natural à dignidade de seu nome e do respeito. E isto é cláusula pétrea, consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (cf. art. XII) e nas constituições de vários países. Segundo o Evangelho e a moral cristã, a maledicência e a calúnia agridem a justiça e a caridade. É muito gravesemear o que é falso, com a intenção de prejudicar.A quem caluniar, eu calarei. Quem é soberbo no olhar e de coração enfatuado não o suportarei” (Sl 101/100, 5), diz o Senhor Deus. Na verdade é infeliz quem pensa limpar o quintal de sua casa, jogando lixo no jardim dos outros. Segundo o Mestre, a mentira e a calúnia são diabólicas. Isto está expresso no evangelho de João: “no demônio não há verdade, porque ele é mentiroso e pai de toda mentira” (Jo 8, 44). Quando alguém reconhece a dignidade de umapessoa, está a serviço do bem e da verdade. Esta tem um valor tão importante que é uma das autodefinições do próprio Cristo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida!”(Jo 14, 6).

Agressividade Patológica

Padre João Medeiros Filho

No passado, pessoas divergiam e polemizavam, mas não se odiavam. Não havia a predominância da agressividade de hoje (camuflada em petulância, arrogância e violência), nem gestos ditatoriais, quando se quer impor uma mentira maquiada de verdade. Estudiosos comentam que, mesmo nos anos sombrios de regime de exceção, não se sentiam nas divergências políticas tanta intransigência, tamanha ira e incontido rancor. Hoje, perderam-se o respeito, a civilidade e a ética. Tornou-se comum ouvir discursos da tribuna do parlamento,contendo frases com ingente falta de decoro: “Vossa Excelência é um desclassificado”. Os termos não combinam e são antagônicos. Se alguém é realmente uma excelência, não é desclassificado. Se for isto, não pode ser excelente. Ignoram-se a semântica e a epistemologia. Taispalavras tornam-se desprovidas de nexo. Por que e para que tanta virulência e impetuosa necessidade de humilhar e debochar daqueles que ousam ter opinião contrária? O equilíbrio racional se esgarçou. Ruíram os grandes debates e discussões sérias. Do ponto de vista filosófico, o niilismo parece ter tomado o lugar do otimismo e bom senso. Tem-se a sensação de existir um altar erigido aosdeuses Egoísmo e Inverdade. Diante deles a solidariedade e a decência devem se curvar.

Ao perpassar pelas páginas da História, poder-se-áaprender lições importantes. Na Alemanha nazista, os supostos arianos se julgavam no direito de exterminar judeus, ciganos etc. Na União Soviética, os dissidentes padeciam nos rigores do inverno siberiano ou eram sumariamente executados. Nos EUA, a segregação racial impedia os negros de frequentar escolas e outros espaços públicos usados pelos brancos. A seletividade pode se tornar uma anomalia, estabelecendo limites entre os que são favoráveis e os contrários. Discordar é um direito intrínseco ao ser humano, à sua liberdade e à democracia. Nas relações pessoais ou sociais, a imposição do pensamento ou da vontade é sintoma de tirania. É o que parece acontecer no Brasil de hoje. Há despotismo de esquerda e de direita. Tenta-se, sem argumentação convincente, impingir aos outros sofismas e engodos. Faltam o verdadeiro sentido e a aceitação do contraditório. Não se acata outra visão dos problemas e da sociedade.

Hoje, o vazio de princípios e a ausência de lideranças vêm abrindo espaço à belicosidade. Ideias divergentes não são debatidas em fóruns adequados. A sociedade despolitizada gera manifestações de vinganças pessoais. Diante dos graves problemas nacionais, a preocupação não é buscar soluções justas e profícuas. O que importa écondenar e destruir os opositores. Instalou-se a picardia obtusa e inconsistente. Não basta contradizer o adversário, prevalece a sanha em desmoralizá-lo e destruí-lo. Não se procura argumentar, mas esmagar, em nome da obsessãopelo poder. A pátria é relegada ao abandono. Faz-nos lembrar o poema de Affonso Romano de Sant´Anna: “uma coisa é um país, outra o aviltamento”.

As redes sociais estão dando importância demasiada a certas pessoas e alguns grupos, que não a merecem. Oferecem aos usuários uma tribuna permanente de contestação. Em lugar de debates, têm-se celeumas. A insensatez ultrapassa os limites da razão e aceitabilidade. Abdicou-se da argumentação para se adotar a ridicularização. A falta de argumentos convincentes conduz necessariamente ao deboche. O linchamento virtual é efeito dessa carência de ideias e propostas, gerando o ódio. O ego se arvora em juiz absoluto. Há que desarmar os ânimos. Isso é papel relevante das igrejas, que devem pregar a paz, procurando diminuir o exército dos irados e pretensos donos da verdade. É preciso incentivar o respeito ao outro e poupar o coração do ódio. Ora, este só faz mal a quem o acumula dentro de si. Jamais Cristo o incentivou aos discípulos: “Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei o bem aos que vos perseguem. Tornar-vos-eis assim filhos de vosso Pai celestial, pois Ele faz nascer o sol sobre maus e bons” (Mt 5, 44-46). O preceito evangélico não significa condescendência com o mal, mas abraçar a tolerância e empenhar-se para fazer com que as pessoas não ajam como animais ferozes. Valerecordar o salmista: “Como é bom os irmãos viverem unidos! (Sl 133/132, 1).