Após aglomerações e festas do pós-quarentena, Madri volta a esvaziar as ruas para enfrentar segunda onda da Covid-19

 

Foto: Alessandro Soler / Agência O Globo

MADRID — A capital espanhola voltou no tempo nesta segunda-feira, 7 de setembro. Não só pela retomada das restrições às concentrações de pessoas em ambientes privados e públicos, impostas pelo governo regional por conta da disparada no número de novos contágios de Covid-19 — 31,5 mil nas últimas duas semanas. O clima de amplas áreas desta metrópole de 3,3 milhões de habitantes ganhou outra vez um certo aspecto de alto verão, aquele momento de julho e agosto em que os madrilenhos tradicionalmente desaparecem, deixando tudo vazio atrás de si enquanto se acotovelam por um quinhão de areia nas praias.

Acontece que já é setembro, as férias — e a economicamente desastrosa temporada turística — já acabaram, e as aulas nos colégios recomeçam (também sob muitas restrições). A cidade, no entanto, adia mais uma vez a normalidade.

Especialistas apontam para a dolce vitta que se seguiu à “normalização”, na segunda quinzena de junho, como causa da nova escalada da pandemia por aqui. Festas sem controle amplamente noticiadas pela imprensa nas últimas semanas, reuniões sociais de dezenas de pessoas sem máscara em bares e restaurantes, praias lotadas, adolescentes fazendo botellones — encontros maciços para beber em praças e ruas — e um novo fluxo de turistas, sobretudo de outros países europeus, teriam ajudado a compor o caldo de cultivo que derivou na que já vem sendo considerada como a segunda onda da doença na Espanha. Isso e, também, o gargalo na entrega dos resultados dos exames tipo PCR, que detectam a fase aguda da doença, o que deixou sem diagnóstico (e sem quarentena) pessoas contagiadas e potencialmente transmissíveis.

Agora, a presidente da região de Madri, Isabel Díaz Ayuso, do Partido Popular, de direita, impôs por decreto uma série de limites à concentração de pessoas em determinados espaços, em alguns casos ainda mais severos que os levados a cabo pelo governo central, do Partido Socialista, de centro-esquerda, durante o confinamento — e que ela, então, criticava com dureza.

Um número máximo de 10 pessoas é admitido em encontros sociais, seja em ambientes privados, seja em restaurantes e bares. Não mais de 60% da ocupação normal são permitidos em templos religiosos e espaços onde se realizam festas de casamento e batizados. Velórios podem ter até 50 pessoas, se forem ao ar livre, ou 25, em lugares fechados. Eventos culturais, incluídos shows ou visitas a museus, têm redução para 40% da lotação. E espetáculos em lugares não dedicados habitualmente a atividades culturais — como shows eventuais em restaurantes ou praças — estão proibidos.

Na tarde desta segunda-feira, as terrazas dos bares e restaurantes que coalham a paisagem urbana de Madri estavam nitidamente mais vazias. Na Plaza Mayor, uma das mais conhecidas do centro histórico de uma cidade que recebe 10,4 milhões de turistas anuais, eram pouquíssimas as mesas ocupadas na happy hour, quando é preciso fazer fila para conseguir um lugar ali em tempos normais.

— O esvaziamento aqui é tamanho que eu nem sei dizer se houve uma queda ainda maior no número de pessoas hoje em relação ao fim de semana, quando as novas proibições ainda não estavam valendo. O que está muito claro é que, desse jeito, isto aqui não vai aguentar muito tempo mais — lamentou Fausto Muñoz, garçom de um dos mais tradicionais restaurantes dali, o El Soportal, completamente vazio como quase todos os outros ao redor.

A carioca Letícia Malvares, musicista e compositora radicada em Madri, teve um show cancelado nesta segunda-feira e ainda não retomou as rodas de choro de que participa num bar frequentado pela comunidade brasileira no bairro de Lavapiés. Desde março, com o confinamento e a retomada oscilante das atividades culturais, ela quase não tem tido renda oriunda de shows e apresentações.

— Sábado eu vou tocar num casamento, e tiveram que mudar coisas (por conta da lotação reduzida). A roda de choro não vai voltar tão cedo. Eu tenho me imposto programas sociais com, no máximo, quatro pessoas. Não quero me contagiar nem contagiar ninguém — afirma ela. — Desde março, vivemos em pura tensão. Estou dando aula on-line, montei um grupo de brasileiros para ensinar flamenco, e estou esperando ainda a ajuda do governo espanhol ao setor cultural, à qual tenho direito. Enquanto isso, acumulo uma megadívida com o dono do meu apartamento, está um aperto só.

Como ela, o professor universitário madrilenho Salvador Segura, pai de duas crianças, de 7 e 9 anos, também tem evitado encontros sociais. Enquanto ainda tenta entender todas as restrições impostas aos filhos no colégio — onde comporão, a partir desta terça, os chamados “grupos bolha”, isolados de outras crianças, sem poder praticar esportes de contato ou conviver com alunos de diferentes salas —, diz prever meses de idas e vindas na retomada da vida de antes:

— Não deixa de ser irônico esse clima de férias na cidade. O desemprego dispara (aumento de 7,5% no segundo trimestre, o maior da zona euro, com mais de 760 mil novos desempregados), muita gente continua sem receber ou poder trabalhar. Acho até que continua a haver muita terraza e muita festa para a situação dificílima que o país vai viver no curto e no médio prazos.

O Globo