Salmos e a degradação humana e social

Padre João Medeiros Filho

Causa mal-estar o atual nível de degradação humana, violência, injustiça, corrupção social, leviandade e outros males que nos afligem. Entretanto, tal quadro remonta à antiguidade, como se pode inferir dos salmos 53/52 e 14/13. O saltério data dos anos 1000 a 500 A.C. Diante de tanto desregramento individual e coletivo no seu tempo e não encontrando resposta na terra, o salmista apela ao Pai Celestial. Alude à maldade de pessoas ou grupos que agem, como se o Onipotente fosse uma ilusão. “Diz o insensato: Deus não existe. São corruptos, fazem coisas abomináveis” (Sl 14, 1 e 53, 1). O contexto social daquela época é bem parecido com o de hoje, pleno de perversidades e afrontas às pessoas, à sociedade e ao Criador. Muitos vivem estultamente, ignorando o Senhor. Os teólogos denominam essa postura de ateísmo prático. Quando se perde o referencial do Transcendente, vige o domínio do Mal e o homem passa a se considerar o único senhor do universo. Consiste numa introjeção de sua parte, em que se acredita absoluto e todo poderoso, procurando descartar o Altíssimo. “Deus está morto”, pretendiam o filósofo Friedrich Nietzsche e os niilistas.

Os dois salmos supracitados compõem-se de sete versículos cada um, revestidos de uma profunda riqueza teológica e atualidade social. Parece que o salmista vive o momento brasileiro. Ao lê-los ou rezá-los – diante de tanta deterioração na vida pública, quando há dificuldade de encontrar pessoas íntegras e projetos sérios nos quais se possa confiar – é impossível não pensar nos ímpios e na situação vexaminosa de nossa pátria. Apesar da maioria de nossos políticos se intitular cristãos, desprezam Deus e seus ensinamentos. Os textos salmodiais continuamafirmando que do Céu o Senhor tenta encontrar entre os mortais alguém que ainda creia no Altíssimo. “Todos se extraviaram, se corromperam, não há quem faça o Bem. Não há um só” (Sl 53/52, 4). E ainda “devoram o povo, como se fosse pão” (v. 5).

Os dois últimos versículos referem-se àqueles que sofrem as consequências da ganância, aos carentes e esquecidos. Será que os infiéis não percebem que estão maltratando, explorando e matando o povo? Este trabalhaardorosamente, sacrificando-se para produzir riquezas, dons preciosos de Deus, tão esquecido e aviltado. O salmista (e igualmente nós) espera chegar o dia em que a justiça prevalecerá. Aguarda o momento em que cada um haverá de pagar pelos seus erros. Sonha com o término dos discursos vazios, inócuos e demagógicos, o retorno de bens subtraídos da população, mormente o respeito e a dignidade. Não raro, tem-se a sensação de que reina a impunidade. “Mas, o Senhor é minha força e meu canto, Ele é a minha salvação”, proclama Isaías (Is 12, 2).

O salmista procura consolar os fiéis e apresenta laivos de luz e esperança aos injustiçados e sofridos. Em seguida, adverte que virá grande temor sobre os ímpios. “E eles, que não conheciam o medo, vão tremer apavorados, porque Deus dispersará os que agridem os seus fiéis” (Sl 53/52, 6). Esta prece atribuída ao Rei David termina, de modo acalentador: “Haverá grande exultação, paz profunda e muita alegria, quando o Senhor libertar o seu povo. Venha do céu a nossa salvação” (v.7). A salmodia é divinamente inspirada e permanece atual. Todavia, percebe-se que o ser humano não tem mudado nem evoluído. Seguem tantos atos insensatos e perversos num flagrante acinte ao Onisciente.

A corrupção vem tomando uma conotação ideológica e política. Ao se falar desse desvio, vêm mais à mente desmandos e desgovernos sócio-políticos e administrativos. Mas, em sua amplitude multifacetada é o resultado de um caráter degradado. A perversão ética ou moral é a sua pior manifestação, gerando outras formas corruptoras. Consegue deformar mentalidades e consciências, anestesiar pessoas e grupos, destroçar povos e nações. Contra essa iniquidade devem surgir novos profetas e salmistas. Santa Dulce dos Pobres, de maneira simples e tocante, ensinava um grande princípio da mística cristã: “Se me afasto de Deus, que é o Bem, como poderei praticar boas obras?” É preciso crer na Palavra Sagrada: “Se considerares a iniquidade humana, quem poderá subsistir, Senhor? Eu temo e espero” (Sl 130/129, 3).