Padre João Medeiros Filho
O dogma da Imaculada Conceição leva-nos a crer queMaria foi isenta de pecado, ao longo de toda a sua existência. Esta verdade teológica contém a exaltação do ser humano criado à semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26). Mostra-nos a humanidade em sua pureza original e revela-nos o desejo do Criador para os seus filhos. Nos primórdios da história, Ele imaginou o ser humano livre depecado para difundir a verdade, praticar a justiça e fazer o bem. Maria concretizou esse ideal divino, após a queda de Adão. A Virgem de Nazaré soube dizer sim ao Onipotente, ao contrário de Eva, que optou pelo mal, simbolizado na metáfora da serpente. Por isso, a primeira mulher foi despojada dos bens sobrenaturais, cabendo a Nossa Senhora o privilégio de conceber o Unigênito de Deus. Eva, rejeitando o plano divino, gerou a morte. A Virgem Santíssima, pelo seu sim ao Eterno, deu ao mundo a Vida. Uma trouxe a tristeza e o sofrimento, a outra foi portadora da paz e da salvação que vêm do Alto.
O bem-aventurado Papa Pio IX, pela Bula Ineffabilis Deus, proclamou o dogma da Imaculada em 8 de dezembro de 1854. Decidiu manifestar aos cristãos, além do valor de Maria, nossa condição primitiva de filhos de Deus, se não fosse a mancha original. Esta não se trata apenas de um pecado de nossos ancestrais. São nossas faltas, injustiças e inverdades que nos deformam,impedindo de nos plenificar do Sagrado. Nossa pretensa autossuficiência não dá espaço ao Transcendente e nosdesfigura. Maria Santíssima despojou-se de tudo, sem medo nem reticências, entregando-se incondicionalmenteao Senhor, plenificando-se de dons celestiais. “Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1, 28), eis o anúncio do anjo à Jovem de Nazaré.
A festa da Imaculada Conceição é também uma oportunidade de reflexão e mudança de vida. Quandodizemos não à Palavra Sagrada e viramos as costas ao Amor, entregamo-nos ao egoísmo e à maldade, destituindo-nos da glória de filhos de Deus. Adão e Eva sentiram pejo por estar despidos, conforme o relato do Gênesis (Gn 2, 15s). Eles cobriram seus corpos, envergonhados de sua postura. Às vezes, também pretendemos nos esconder nas folhagens de nossas desculpas psicológicas e éticas para disfarçar nossa nudez diante do Onipotente. A busca desenfreada de dominaçãoou prazer, a corrida desvairada pelas riquezas materiaissão tentativas de ofuscar nossas ilusões ou mentiras, entorpecer nossas consciências para não ouvir o Senhor.Somos cada vez mais desafiados a escolher entre Deus e a serpente. Esta simboliza o mal, a rebeldia, a arrogância e a sede do poder que seduziram Eva, assolando o mundodesde sempre. Os cristãos devem seguir o exemplo deMaria, sendo capazes de dizer não a seus aliciadores, pois carregam a força da verdade e do bem. Somente a graça divina é necessária (cf. 2Cor 12, 9). “Só Deus nos basta”, afirmou Teresa d’ Ávila. Eis a escolha suprema de nossa vida!
No Brasil, Padre José de Anchieta difundiu o culto à Imaculada Conceição. Desde o início da era colonial,vários templos foram erigidos e dedicados à Virgem com esse orago. Atualmente, temos trinta e cinco catedrais,inúmeras igrejas e capelas consagradas à Nossa Senhora da Conceição. Até bem pouco tempo, era tradição no dia de sua festa realizar a primeira eucaristia das crianças. Como a Mãe do Salvador, recebiam sacramentalmenteJesus Cristo, com a sua inocência e pureza.
Nossa Senhora é a beleza sobrenatural presente na criatura humana, riqueza celeste temporalizada, maravilha do Altíssimo acessível aos homens, ternura divina disponível aos mortais, bondade do Infinito revelada aos pequenos e imperfeitos. A Virgem de Nazaré é a face terrena do Eterno manifestada aos que n’Ele creem e esperam. Nossa Senhora é a pequenez humana transformada em grandeza inefável, poesia do Céu no prosaico dos homens. É a saudade de nossas origens e a certeza de que nem tudo está perdido, pois a misericórdia do Pai supera a nossa fraqueza. Iluminados e fortalecidos pela fé, rezemos: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós.”