
A venda de pescados em Natal sofreu uma queda acentuada desde o caso de suspeita de intoxicação alimentar que afetou 13 pessoas, sendo duas internadas na UTI após o consumo de peixe em um restaurante da capital. A associação do episódio com a toxina ciguatera desencadeou um forte temor entre os consumidores, afetando diretamente a rotina de comerciantes e produtores do setor. De acordo com empresários, a redução na venda no varejo alcançou 50% em comparação a outros períodos do ano.
“Hoje tive apenas uma venda. Em um dia normal, tinha pelo menos sete pessoas comprando aqui. A movimentação do Dia das Mães também foi muito abaixo do que estávamos esperando”, disse Lavoisier Rodrigues, que há mais de uma década trabalha no Mercado do Peixe, no Bairro das Rocas. “Antes, normalmente aqui eram 40, 50 quilos de peixe por dia vendidos. Agora, com esse problema aí, que acusaram o peixe estar intoxicado, caiu”, lamenta.
Rafael Ferreira, que há 12 anos também atua no Mercado do Peixe, confirma a mudança no comportamento dos consumidores. “Clientes recentes chegados aqui, que foram indicados por mais veteranos, se sentiram assustados a respeito, com a falta de segurança que estão repassando. Depois que a gente começou a dialogar com eles, mostrar que realmente não é isso, eles começaram a nos contatar de volta. A pessoa vê as notícias nas redes sociais e nos jornais e interpreta totalmente errado”, avalia. No box dele, a queda de vendas foi de aproximadamente 20%.
O caso que desencadeou o temor dos consumidores quanto à ingestão de peixes ainda está em investigação. Inicialmente, duas pessoas foram internadas na UTI com sintomas de intoxicação após consumirem o peixe Arabaiana em um restaurante da capital na semana passada. Amostras dos alimentos foram encaminhadas para análise no Laboratório Central de Saúde Pública do RN(Lacen), e o Departamento de Vigilância em Saúde (DVS) de Natal conduz a apuração, com apoio da Secretaria Estadual da Saúde (Sesap).
A suspeita gira em torno da ciguatera, uma toxina natural que se dá pela bioacumulação da ciguatoxina no interior dos peixes. Esse acúmulo acontece após os animais consumirem algas que contenham a substância.
Segundo o diretor do DVS, José Antônio, a conclusão do caso pode ter prazo superior a 30 dias, devido à especificidade da investigação. Ainda segundo ele, a ciguatera não tem relação com o manuseio ou preparo. Ao todo, foram 35 pessoas que comeram do mesmo alimento, sendo que 13 ficaram sintomáticas – duas foram internadas na UTI – , mas todas passam bem.
De acordo com Marcelo Martini, empresário do setor de pescados que atua no varejo, atacado e exportação, o impacto negativo foi perceptível. “Esse telefone sem fio, somado com muita informação inverídica, deixou muita gente assustada, mas em quilos eu estimo que diminuiu cerca de 300 kgs em consumo aproximado nessas duas semanas. No Dia das Mães tivemos um impacto negativo em mais de 50% comparado com os anos anteriores”, relata.
Para tentar diminuir esses impactos, Marcelo está planejando ações de marketing para divulgar as boas práticas e os benefícios do consumo de peixe para a saúde. “[Esse caso] não pode sobrepor tantos benefícios que os peixes trazem para saúde, principalmente no nosso mercado local, já que somos uma cidade litorânea”, considera.
O presidente do Sindipesca RN, Arimar França, externou preocupação com o setor pesqueiro e com a desinformação em torno do assunto relativo à intoxicação alimentar. Ele desconfia que, ao invés de um peixe da espécie Dourado que vem sendo suspeitado, o caso tenha acontecido com um peixe da espécie Arabaiana.
“O que eu acho mais grave aí é que há uma desinformação com relação à espécie do peixe. E outra coisa: os restaurantes, consumidores de modo geral, a dona de casa, precisam procurar produtos com respaldo, empresas registradas no Ministério da Agricultura, seja na esfera federal, estadual ou municipal, empresas que tenham um registro, que tenham uma rastreabilidade para, caso aconteça alguma coisa, que se possa fazer um recall. Então isso acontece muito no nosso litoral, porque o mercado informal é muito grande e muitas vezes a informalidade é mais barata do que a formalidade”, afirma Arimar França.
Em nota divulgada pela Sesap após a repercussão do caso, a pasta informou que a contaminação por ciguatera é rara no Brasil, mas já foi registrada em Fernando de Noronha a partir de 2022. A Sesap alerta ainda que não existe tratamento específico para a condição, reforçando a importância da notificação e da análise laboratorial dos casos suspeitos no Rio Grande do Norte.
Tribuna do Norte